terça-feira, julho 26, 2005
A Vida Marinha de Steve Zissou
Wes Anderson é um diretor inventivo. Ele não está criando a roda, mas a exemplo de outros como Jim Jarmush (Sobre Café e Cigarros), Paul Thomas Anderson (Magnólia) e Charlie Kaufman (roteirista de Quero Ser John Malkovich), ele vem traçando um caminho distante do que o público americano está acostumado a assistir, mesmo dentro do dito cinema independente.
Wes Anderson não inventou a roda nesse A Vida Marinha de Steve Zissou ou no seu anterior Os Excêntricos Tenenbaums, mas criou um jeito particular de contar histórias. Assim como é possível reconhecer de olhos fechados as estratégias narrativas do brasileiro Jorge Furtado (O Homem que Copiava), é possível em poucos minutos de projeção reconhecer o que há de Wes Anderson num filme. Poderia se dizer o mesmo dos outros citados aí em cima, cada qual com seu estilo próprio, cada qual parecendo carregar um frescor que faz falta no cinemão de pipoca e shopping center.
Esse jeito particular que Wes Anderson filma nos dá a entender que captar imagens em movimento é uma brincadeira de criança; que toda sua mis-en-scéne é coerente porque ela é exatamente isso e nada mais que uma brincadeira de contar histórias. É como entrar no teatro e aceitar o lúdico, é como assistir Fellini e saber que ele está falando de sonhos e picadeiros. É esse lúdico que no A Vida Marinha permite um Seu Jorge cantando versões em português de David Bowie, acompanhado apenas pelo seu violão.
A Vida Marinha de Steve Zissou é a história de um homem que quer fechar sua carreira de documentarista náutico com um grande filme e ser perdoado pela crítica e público que o renegaram. Steve Zissou manteve uma certa fama nos primeiros anos de carreira, mas aos poucos foi caindo no esquecimento e seus empreendimentos passaram a dar prejuízos. Steve Zissou é um Jacque Cousteau sem espírito científico. Toda sua equipe é, como o próprio protagonista explica, uma farsa. É uma reunião de amigos que pouco sabiam sobre biologia marinha ou oceanografia. O cérebro atrás da equipe Zissou é a mulher de Steve, que além de lembrar-lhe os nomes das espécies em latim, sabe planejar estratégias e os investimentos.
Steve Zissou é interpretado por Bill Murray, que empresta ao personagem aquela feição característica de impassível tédio. Um tédio de blasé, como diria Adriana Calcanhoto em Água Perrier, porque Zissou é um egocêntrico que não se dá conta do seu egoísmo. É um personagem profundamente entristecido com a derrocada de sua carreira e que tem como meta apenas o seu filme.
A Vida Marinha começa com cenas da primeira parte do filme que Steve Zissou está rodando. O formato é de um documentário burocrático e mal produzido, mas que tem um apelo dramático incontestável. Numa das expedições da equipe, uma espécie rara de tubarão devora um membro da equipe. A primeira parte acaba aí. A projeção é feita para convidados, numa tentativa de levantar fundos para o resto do projeto. E o projeto de Zissou é encontrar o tubarão e matá-lo, dinamitá-lo, como sugere, frente ao tamanho colossal da criatura.
É estranho que nos créditos finais Wes Anderson dedique o filme a Jacque Cousteau, mas esqueça de Herman Melville e seu romance Moby Dick, que narra a odisséia de um homem que cruza os oceanos em busca da baleia branca e tudo perde na tentativa de matá-la. Se Wes Anderson esquece Melville, de Cousteau ele não poupa referências, seja através do gorro vermelho característico ou pelo modo de apresentar algumas imagens submarinas.
Steve Zissou consegue a verba com a promessa de não matar o tubarão. Exigência de alguma sociedade protetora de animais. Antes de embarcar descobre um filho de um antigo relacionamento e o integra à equipe. É esse filho que irá dar a Steve elementos para seu encontro consigo, seu autoconhecimento. É outra estratégia narrativa de Melville e de tantos outros contadores de histórias, da literatura e do cinema: a viagem como uma ferramenta para a busca de si. A medida que a viagem prossegue, mais e mais o personagem de Bill Murray vai se dando conta de quem é, de seus erros e de seu egoísmo.
A Vida Marinha trata dessas buscas que fazemos, dos sonhos particulares que ninguém tem acesso. É por isso que na primeira parte do documentário não vemos o tubarão. Chegamos mesmo a duvidar de sua existência. Alguém pergunta ao diretor-comandante se aquilo não é uma jogada de marketing. E chegamos a crer que sim. Talvez por isso, todo o mundo marinho seja nos apresentado de forma lúdica. Porque se a paixão do explorador é o oceano, ele deve nos aparecer como uma brincadeira.
Essa relação do sonho com a infância é a todo momento pontuada pelo filme. Os que crêem cegamente em Seteve são crianças; os peixes que ele tanto gosta têm cores que só o onírico poderia criar; seu barco nos é apresentado como numa maquete ou uma casa de bonecas. A aproximação com seu filho, que ele nega-se a aceitar como tal, é o que faz perceber isso. Embora o filho encontrado seja um adulto, há nele uma carência infantil pelo pai. No fim da busca, quando Steve encontra ao tubarão e a si mesmo, ele entende seu medo da solidão e questiona-se se a criatura lembraria dele. Provavelmente não. Ao contrário da Moby Dick, o tubarão de Wes Anderson seguiu sua rota de migração sem dar maiores atenções às pequenas vaidades humanas. Steve Zissou entende o vazio de sua busca, de sua vida.
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6 comentários:
Oi Aristeu adorei o seu blog...e "A Vida Marinha de Steve Zissou", realmente parece ser um excelente filme. Bj.
Para quem não gosta de contar muito da história dos filmes, para que não percam a graça, até que você falou bastante coisa dessa vez. Independente disso, o texto está ótimo, e revela uma boa bagagem cultural e, mais especificamente, cinematográfica, do sujeito que a escreveu. Foi mesmo você? (rsrsrs)
ha... ha... (irônico)
duca!!
Acho até que vou ver o tal filme.
Lex
Esse filme rolou na globo ,SESSÃO DE GALA,NO DOMINGO 30/08, é a maior viagem e de quebra ainda tem a participação de SEU Jorge cantando uma verssão de ZIGGY STARDUST que é maneirissíma. china/rj
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