segunda-feira, maio 01, 2006

Estrela Solitária

Em busca de um passado

O cinema de Wim Wenders está marcado pela idéia do retorno e do tempo perdido. É da volta de seus personagens ao local de uma vida pregressa, que o diretor alemão extrai as idiossincrasias que tomam conta de grande parte de sua filmografia. Há um problema nisso. Um problema comum àqueles que, como Wim Wenders, têm uma carreira extensa por trás das câmeras e dos roteiros. A obsessão por um tema ou por uma forma de filmar, pode acabar esvaziando a obra e seus intuitos. É daí que resulta uma certa má vontade da crítica internacional com os filmes de Wim Wenders pós Asas do Desejo, sem dúvida o mais importante de sua carreira.

Em Estrela Solitária, tudo está lá. Os mesmos personagens em situações bizarras, às vezes extravagantes; a volta do pródigo e desaparecido; a permanente tentativa de localizar o bom (o bem) em meio ao caos urbano, moderno, contemporâneo; as valorações a partir das contradições. Mas há algo em Estrela Solitária que reafirma Wim Wenders, que o faz – mesmo na reinterpretação de seu próprio cinema – digno de elogios há um tempo esquecidos.

Estrela Solitária é a retomada da retomada de seu projeto permanente de cinema. Mas essa volta – não só do personagem à sua cidade natal, mas também do próprio diretor a outro grande filme seu, Paris, Texas – transborda em uma poesia. É um poema seco, esse de Estrela Solitária. Seco como as rochas que compõem a geografia do oeste americano e dos filmes de gênero, com seus cowboys, cânions e mocinhas indefesas.

E é nessa secura ambientada no meio do deserto que se inicia o filme, a história de Howard Spence, um ator decadente, protagonista de antigos faroestes de sucesso. Mas o primeiro plano de Estrela Solitária, na verdade não é do deserto. Da tela preta surgem dois recortes de céu, como olhos. Depois o filme deixará que entendamos que esses recortes são buracos numa rocha. “Olhos” de pedra que vêem um pedaço de céu, um pedaço de deserto que parece querer algo do inalcançável. Segue-se a fuga do ator, que desaparece do set de filmagens, deixando para trás uma equipe incapaz de prosseguir com a produção do ironicamente intitulado Fantasma do Oeste.

Howard Spence tem um passado turbulento. Sua vida de fama o levou não só aos abismos daquele relevo americano, mas a abismos próprios da espécie humana. Howard viu sua carreira chegar ao estrelato e à decadência. Todo um percurso marcado por drogas, promiscuidade e algumas prisões. À procura de um lugar insondável pela produção de seu filme, ele acaba pedindo refúgio à mãe, que não via há pelo menos 30 anos. É aí que se estreitam os filmes Paris, Texas e Estrela Solitária. Dois homens vindos do deserto em busca da família, dois filmes com o mesmo roteirista, Sam Shepard, que nesse último também é o ator que interpreta Howard Spence.

Mãe e filho, quase desconhecidos em virtude do tempo e da distância. Mas não é nesse reencontro que Estrela Solitária vai se focar. Sua mãe lhe dá um recado que há 30 anos guardava, sobre uma mulher que a procurou em busca de Howard. O recado, na verdade, o tempo apagou da memória. Mas era sobre uma mulher que teria tido um filho dele e que o procurava para avisá-lo sobre sua paternidade. É aí que o ator vai mais uma vez em procura de seu passado.

O passado está numa cidadezinha do interior, onde todos se conhecem e são cumprimentados pelos nomes. A mulher, mãe desse filho recém descoberto, é uma antiga garçonete, hoje dona do estabelecimento onde Howard a conheceu. O filho é um músico que lembra Nick Cave em sua participação em Asas do Desejo.

Estrela Solitária irá, assim, tentar investigar a dor de um homem vazio. Que não entende ao certo suas escolhas em revisitar o passado. O certo é que esse ator quer encontrar um alento que não alcançou nesses 30 anos que o afastaram de suas raízes. Talvez esse alento que procura seja mais forte do que a vontade de conhecer o filho ou reatar laços com a mulher que um dia foi um caso fugidio.

Em paralelo, o filme acompanha outros dois personagens que de modo semelhante estão em situações de transição. Um é um investigador da companhia de seguros que está responsável por encontrar Howard para que ele retorne às filmagens. A outra é uma garota que está procurando um lugar para depositar as cinzas de sua mãe, morta há pouco tempo. Ela também procura o ator, o que sugere ser um indício de outro fantasma de seu passado.

É no encontro de todos eles que as verdades vão se descortinando. Mas as verdades são pouco factuais. Essas verdades estão tão escondidas que para achá-las é preciso romper algumas dores internas, escavar esses abismos que o próprio Howard passou tantos anos imerso. É o caminho para a sabedoria.