terça-feira, julho 26, 2005

Elefante

No dia 20 de abril de 1999, dois adolescentes mataram 12 estudantes e uma professora na escola Columbine, localizada no Colorado, Estados Unidos. No último dia 20 de abril, quinto aniversário do massacre, a sociedade norte-americana ainda fazia cara de surpresa ao incidente que também deixou 23 pessoas feridas.

Os promotores da chacina, Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17 anos, mataram-se naquele mesmo dia, antes mesmo de serem pegos pela polícia. A violência desencadeou discussões e análises por todo o território. Até hoje o país esforça-se para entender o motivo de tamanha brutalidade. É no rastro desse sangue que surge o filme Elefante (direção de Gus Van Sant).

O filme, que estreou no Brasil no início de abril, não é o primeiro a focar lentes de cinema sobre a matança, a maior já acontecida em uma escola norte-americana. Tiros em Columbine, de Michael Moore, ganhador do Oscar de melhor documentário em 2003, já tentava desvendar os motivos daquela violência. Mas, enquanto o filme de Moore levanta uma bandeira ativista e antibelicista, Elefante segue o caminho oposto, sem discussões morais. Gus Van Sant não julga os agressores.

Elefante não brada tão alto quanto Tiros em Columbine. Van Sant não sai pela América do Norte apurando dados sobre mortes com armas de fogo ou, muito menos, promovendo manifestações contra lojas de conveniências que vendem munições. Isso tudo é um outro território. O novo filme do diretor de Drugstore cowboy e Gênio indomável é uma ficção e se pretende poético.

A câmara de Gus Van Sant prefere ser asséptica. Os cortes são raros e não há tremores ao estilo MTV. A lente cola de tal forma no cotidiano desses estudantes que se cria com o espectador uma cumplicidade incômoda. Sabemos o que acontecerá ali. No entanto, não sabemos os motivos de tal insanidade.

O filme apresenta apenas pistas. Mostra garotos humilhados pelos colegas; denuncia a fácil aquisição de armas; faz um perfil sucinto da cultura bélica norte-americana com seus videogames, programas televisivos e sites. Mas nada disso é conclusivo e não poderia ser.

Cada um dos personagens apresentados em Elefante possui uma história diferente, uma vida que não se resume àquela escola ou àquelas horas em que o filme faz o seu recorte. O dia do massacre é contado por intermédio desses alunos, quase sem diálogos. É uma visão fragmentada de uma realidade. É como se Van Sant estivesse dizendo que não adianta tentar elucidar a violência, pois a explicação sempre será imperfeita, traçada por um cego.

Daí vem a explicação para o título do filme. É uma referência a um documentário homônimo de 1989 realizado por Alan Clarke, que tratava sobre violência entre adolescentes na Irlanda. Ele dizia que o fato era "tão facilmente ignorável quanto um elefante na sala de estar". Entretanto, o próprio Gus Van Sant cita uma parábola sobre um grupo de cegos que, em contato com um paquiderme, tentam opinar sobre o que existe na frente deles. O que toca o rabo sugere uma corda; outro, que apalpa uma das pernas, imagina uma árvore etc. Cada um deles tem uma visão totalizadora e errônea sobre o animal. Isso, de certa forma, resume o filme e a escolha por visões fragmentadas do incidente. Outro ponto interessante - e, ao que indica, nada superficial - é que o símbolo do Partido Republicano de George Bush também é um elefante.

Essa polifonia de explicações quanto ao título do filme não parece ser despropositada. Essa não-simplificação dos fatos está presente em cada cena dos 80 minutos de duração da fita. Elefante não busca o óbvio: fala de violência sem parecer que o faz. A própria trilha sonora, que é pontuada por uma das mais conhecidas composições de Beethoven, a "Sonata ao luar", faz esse contraponto por ser de extrema delicadeza. A contradição é sua essência, como na citação de um dos jovens assassinos: "Nunca via dia assim, tão belo e feio" - referência ao diálogo que Macbeth, na tragédia homônima de Shakespeare, trava com seu amigo de batalhas Banquo.

Mas o pior é recordar que o caso de Columbine não foi o único. Em um período de apenas 18 meses, ele foi o sexto caso de tiroteio em escolas americanas. O número de mortes causadas dentro desses colégios ainda é mínimo, se comparado com os dados da violência que ocorre fora da sala de aula, como atestam alguns estudos. Entretanto, a pergunta que tenta desvendar o que gerou esses morticínios continua acesa. Até agora, sabemos pouco mais que hipóteses.

Originalmente publicado em http://www.educacaopublica.rj.gov.br/

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