quarta-feira, janeiro 23, 2008

Tropa de Elite


Na estréia de Tropa de Elite, no Rio de Janeiro, tinha tapete vermelho, muita imprensa, celebridades distribuindo sorrisos e mais uma penca de gente sem convite vip. Era também a abertura do Festival do Rio.

Dias antes, o filme já estava na mídia. Tropa de Elite é um exemplo inédito do cinema nacional. Foco de uma pirataria sem precedentes, o longa-metagem de José Padilha caiu na boca do povo. Muito se falou. O próprio Padilha escreveu um artigo soltando fogo pelas ventas, pedindo punições e ameaçando até a imprensa, que ele acusava de ter visto o filme também em cópia pirata.

José Padilha e seus distribuidores também ouviram. Foram acusados de, eles próprios, terem desviado as primeiras cópias, o que se transformaria num bem bolado esquema de marketing viral. Estão apurando e parece que algum funcionário da pós-produção vai pagar o pato.

Sem querer entrar nos méritos judiciais, o fato é que Tropa de Elite é um sucesso retumbante. Não tenho notícias de como está a apreciação dos DVDs em outras praças do País. Mas no Rio de Janeiro, a aceitação é estrondosa.

E o que Tropa de Elite tem que despertou todo esse interesse? Quem desembolsou os R$ 10 pela cópia, levou para casa, entre outras coisas, uma refestelação sobre a falta do Estado nas favelas cariocas. Viu ali na sua TV, um filme que se apóia num ódio de classe que assola o Rio de Janeiro e, em graus diferenciados, o restante do País.

O sucesso de Tropa de Elite se pauta no tipo de expressão tão comumente ouvida pelas ruas, “que bandido tem mesmo é que ser morto”. Vide o caso da senhora que atirou na mão do assaltante e, de quebra, recebeu medalha da Câmara dos Vereadores; ou o caso das milícias (grupos paramilitares), que quando chegou à mídia, recebeu aprovação de grandes parcelas da sociedade.

José Padilha já havia explorado o mesmo tema no seu documentário Ônibus 174. Mesmo sendo uma obra documental, o filme tinha um forte viés melodramático. E é no seu clímax, que vemos uma multidão enfurecida querendo linchar Sandro, o seqüestrador do ônibus. Sandro morreria naquela mesma noite, após o fim do seqüestro, provavelmente assassinado pelos policiais.

Há um simplismo generalizado que assola o entendimento da violência e do narcotráfico. O Estado culpa o usuário de drogas, discurso que os policiais de Tropa de Elite não se cansam de repetir. A população, acuada, não quer nada além de tranqüilidade, nem que ela seja alcançada à base de bala.

E embora o filme de José Padilha apresente em algum momento a complexidade da questão, ela não é aprofundada. Aliás, o único policial do longa-metragem que tenta fazer faculdade e é o único dali que problematiza essas relações da violência, é solenimente recriminado pelo narrador, ou seja, pela voz do filme.

Sim, Tropa de Elite tem um narrador. É Wagner Moura (em uma atuação excepcional), que faz o Capitão Nascimento. É a partir da visão dele que o filme irá caminhar. O personagem de Wagner Moura é um homem bem cotado do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Mas ele está em crise. Seu filho irá nascer e ele precisa arranjar um substituto para as suas funções.

A partir daí o filme vai mostrar as várias incursões nas favelas, as torturas e os treinamentos dos homens de preto, como são conhecidos os policiais do Bope.

A crise do Capitão Nascimento não é meramente ficcional. Ela reflete um dado pouco debatido, o alto número de suicídios entre policiais. A pressão é gigantesca, os salários baixos, o risco de morte contínuo.

O sucesso de Tropa de Elite também se baseia na exploração de sentimentos primitivos. É o que o cinema norte-americano faz desde que se entende por gente: a divisão clara entre o bandido e o mocinho; a forte vontade de vingança.

Após a estréia do filme na tela de cinema, iniciou-se um debate na mídia ao acusar o longa-metragem de fascista. Não tenho certezas quanto até onde um filme pode ou não ir; até onde é ético apresentar valores que são contrários aos valores dominantes de uma sociedade. O que sei é que Tropa de Elite fez a opção deliberada de explorar um nicho de mercado baseado no ódio. É no ódio de um pelo o outro em que o filme se baseia. E é por isso que ele está fazendo todo o sucesso que está.

Este texto foi publicado originalmente na Revista Moviola.

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