sábado, maio 05, 2007

Proibido Proibir

Era 1968. A revolução que havia sacudido a França em maio daquele ano modificava o jeito de pensar da juventude de esquerda no mundo inteiro. Em setembro do mesmo ano, Caetano Veloso, no Brasil, subia ao palco acompanhado pelos Mutantes. Guitarras em punho, ouviram uma das maiores vaias da história da música brasileira. Se não a maior, pelo menos a mais célebre. Engraçado, ele cantava Proibido Proibir. As vaias eram contra as guitarras, que no imaginário da época maculavam a verdadeira MPB, eram sinal de alienação cultural. O resultado é que Caetano desfiou um discurso exaltado, gravado posteriormente em disco.

Hoje, o slogan “proibido proibir” soa banal. É que o mundo mudou, perdeu as utopias ao longo dessas quase quatro décadas que nos separam do maio francês. O Brasil deixou para trás sua ditadura militar. E é nesse entendimento que reside a primazia do segundo filme de Jorge Durán. Um triângulo amoroso que usa como base a alienação da juventude carioca frente aos dramas e infortúnios sociais vividos por aqueles abaixo da linha de pobreza.

Proibido Proibir mostra de perto o convívio de três estudantes universitários, Paulo (Caio Blat), Leon (Alexandre Rodrigues) e Letícia (Maria Flor). Paulo cursa Medicina; Leon, Ciências Sociais; e Letícia, Arquitetura. São personagens típicos da fauna acadêmica. O de Caio Blat não leva a vida muito a sério, não tem um tostão e gasta o que não tem com cerveja e drogas. O seu amigo, Leon, é engajado, faz pesquisas de campo em comunidades carentes e se ressente porque isso é pouco, ínfimo. Letícia, namorada de Leon, é uma patricinha hippie, dessas que se vê muito por aí.

É acompanhando o relacionamento desses três, que o filme vai radiografar o estado das coisas. Ou melhor dizendo, o pensamento médio do jovem universitário frente a sua cidade, frente ao Rio de Janeiro. Mas é ao longo do filme, que a cidade e sua periferia vão trazer as modificações que eles achavam não serem necessárias para si mesmos. É quando a favela invade o filme, quando os conflitos dos personagens os obrigam a tomar decisões graves que os colocam em questões morais que ultrapassam seus padrões de conduta.

Um ponto interessantíssimo de Proibido Proibir é a capacidade de trazer o documental para dentro da ficção sem que soe falso ou professoral. Do mesmo modo, o retrato da periferia não tem nada de glamourizado, até porque as escolhas das locações primaram por geografias não conhecidas, favelas que ninguém fora dali costuma pisar, nem o Estado.

Por outro lado, Proibido Proibir parece ser um filme de outro tempo. Sua cara, sua mise-en-scène, é de um cinema que já tivemos e que não se encontra mais costumeiramente nas novas produções. Isso não é necessariamente ruim, talvez o problema esteja na pasteurização da imagem que o cinema nacional atual tem como padrão de qualidade, vide Os Dois Filhos de Francisco, Cidade de Deus, O Homem do Ano, entre tantos outros.

Talvez a conseqüência dessa estética seja o fato de que Jorge Durán não dirigia um longa-metragem há 20 anos. O anterior foi A Cor do seu Destino, de 1986. Mas Durán não é cineasta de poucos filmes. Na verdade, sua grande contribuição ao cinema se dá enquanto roteirista. São deles roteiros de filmes importantes como Pixote – A Lei do Mais Fraco, Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia e O Beijo da Mulher Aranha.

Existem algumas lacunas presentes em Proibido Proibir, como as atuações que oscilam e que em alguns trechos dão pouca credibilidade ao trio; ou como em alguns poucos momentos (principalmente nos minutos iniciais) em que os diálogos surgem um tanto pueris, às vezes didáticos. No entanto, ultrapassados esses problemas, o filme demonstra possuir momentos de força e beleza dignos de estarem na tela de cinema. Um deles é a seqüência em que a personagem de Maria Flor caminha pelo Rio e estuda sua arquitetura. O filme trabalha uma metáfora da degradação social/moral através das fotografias feitas por Letícia. Ela fotografa as ruínas, o pouco zelo com a história da cidade.

Uma outra bela seqüência é a que conclui o filme, arrebatadora. Mas essa eu deixo para vocês.