sexta-feira, agosto 10, 2007

Conceição - Autor bom é autor morto

Foram necessários dez anos para que cinco alunos (hoje ex-alunos) de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) conseguissem realizar, finalizar e exibir o filme Conceição – Autor bom é autor morto. Com uma produção precária, os realizadores ousaram sonhar alto e produziram o que até então era visto como impensável. Conseguiram.

Após muito penar, Conceição cooptou a parceria da Riofilmes, que assumiu a distribuição deste que é o primeiro longa-metragem de ficção feito em um curso de cinema. Sua carreira começa de forma modesta, sendo exibido primeiramente no Rio de Janeiro, Niterói e em São Paulo. Nas três cidades, o filme está presente em apenas uma sala de exibição.

Na sua pré-estréia no Rio de Janeiro, Conceição lotou o cinema Odeon, com seus 600 lugares. Arrancou da platéia palmas e urros de empolgação. Ok, o público era formado basicamente por amigos, parentes e alunos da UFF. Era, portanto, um público pré-disposto e receptível. Já na última edição do festival Cine Esquema Novo, realizado em Porto Alegre, o longa-metragem levou o prêmio do júri popular.

Mas pelo o que tudo indica, Conceição terá uma estada breve nas salas de cinema. Não que o filme seja ruim, pelo contrário. Diferente do que muitos esperavam, Conceição é digno de estar nas salas de cinema. Diferente, inclusive, do que o jornal O Globo acha, com seu bonequinho cochilando. O problema é que o longa-metragem é um alienígena frente aos seus pares do cinema nacional.

O filme de André Sampaio, Cynthia Sims, Daniel Caetano, Guilherme Sarmiento e Samantha Ribeiro nega algumas das principais características do cinema brasileiro pós-retomada: a verossimilhança, o naturalismo e um certo “padrão de qualidade televisivo” que permeia muitas das produções nacionais recentes. Conceição é trash, experimental, irregular. E essas características são o que há de melhor no filme.

Sendo uma obra coletiva, Conceição não é apenas um, mas também muitos filmes. Há nele uma polifonia que às vezes soa radical, às vezes soa confusa. Mas em momento algum desinteressante. Conceição é cinema em extremo. O filme se valida fortemente da metalinguagem e carrega em seus genes uma boa porção do cinema marginal.

Em seu enredo, diretores bebem em uma mesa de bar enquanto elocubram sobre os filmes que pretendem realizar. Os filmes imaginados são apresentados à platéia enquanto eles bebem mais e mais cerveja. São histórias algumas vezes metafísicas, outras poéticas, em geral permeadas por humor negro. Tem a história do personagem que foge desesperadamente de seu algoz (o perseguidor é interpretado pelo cantor Jards Macalé). Há também a história do cara que vende fezes, do cara que tem seu pênis decepado, entre outras bizarrices. Intercalando, há um documentário poético sobre o filme que anônimos gostariam de filmar. Conceição é o filme que esses autores sonharam fazer.

O que ainda não foi dito aqui é que Conceição, além de tudo, é livre, anárquico. Independente da carreira que o filme tiver nos cinemas, Conceição entra automaticamente no panteão dos filmes cults, dos filmes utilizados como referência quando outros jovens realizadores estiverem discutindo seus respectivos projetos em outras mesas de bar.