tag:blogger.com,1999:blog-148381832024-03-20T21:54:20.765-03:00quebra de eixoArtigos, críticas ou impressões sobre a tal da imagem em movimento.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.comBlogger27125tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-52866862277905091662008-01-23T15:47:00.000-02:002008-12-09T13:24:03.067-02:00Jogo de Cena<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8OHHOfNHNxphx4sSZPgzgfFV5w2NQ3AvfXDqwqwqe1UPncIDNYfHIQDkrPSCa6dvSB4U6LNCmu4EViJ2OurrnDSgGNnFZ8gk2GeRBXR_5org64Ta9sSaXA_k8wA0VmEDr7ZSFrg/s1600-h/jogodecena.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8OHHOfNHNxphx4sSZPgzgfFV5w2NQ3AvfXDqwqwqe1UPncIDNYfHIQDkrPSCa6dvSB4U6LNCmu4EViJ2OurrnDSgGNnFZ8gk2GeRBXR_5org64Ta9sSaXA_k8wA0VmEDr7ZSFrg/s400/jogodecena.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5158735574917658450" border="0" /></a><br />O cinema de Eduardo Coutinho sempre foi voltado, em parte, à discussão do próprio fazer do documentário. O tal do efeito câmera, termo que designa o quanto que a presença de uma equipe de filmagem influencia nas entrevistas, tornou-se freqüente entre os realizadores e a crítica cinematográfica. Porque Coutinho fez escola e porque o seus filmes de conversas cada vez se tornam mais significantes.<br /><br />Se Coutinho fosse um desenhista, seria possível reconhecer seu trabalho de longe. Bastaria uma olhadela de relance para reconhecer seu traço duro, com contornos fortes, de personagens bem desenhados. E é por isso que <span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span> é um marco, dentro e fora de seu cinema.<br /><br />O filme, que foi exibido fora de competição durante o Festival do Rio 2007, é uma reinvenção da obra do cineasta. É compreensível que Coutinho esteja buscando outros caminhos, pois toda marca é também uma forma. Observando a sua filmografia mais recente, é possível ver em <span style="font-style: italic;">O Fim e o Princípio</span> uma outra tentativa de reestruturação. Coutinho, nesse filme, queria um documentário livre, sem pesquisa prévia e sem um tema definido. Acabou fazendo um filme peculiar, um filme sobre o filmar.<br /><br />Agora, com <span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span>, ele retoma à vontade de se recriar.<br /><br />O filme se passa dentro de um teatro e é filmado sobre o palco. Ao fundo das entrevistadas, sempre estão as cadeiras vermelhas e vazias. É uma inversão de experiência para o espectador, já há tanto acostumado com suas poltronas. Antes, porém, ainda no primeiro plano, é mostrado um anúncio de jornal. É um chamado para um teste em um filme de documentário. Esse é um recurso já usado por Coutinho, que em <span style="font-style: italic;">Santa Marta</span> coloca uma placa na favela, pedindo a quem tivesse o que falar para passar em determinado endereço, onde a equipe ficava de plantão para entrevistar os moradores.<br /><br />Inicia o filme <span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span>: vemos o anúncio e logo depois um primeiro depoimento. É uma atriz falando sobre o seu trabalho no <span style="font-style: italic;">Nós do Morro</span>, grupo de teatro que ficou famoso por compor o elenco do filme <span style="font-style: italic;">Cidade de Deus</span>. Para o espectador que conhecia a sinopse, surge aí a primeira das muitas dúvidas que o filme irá plantar.<br /><br />Acontece que <span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span> é um documentário com personagens reais e com atrizes interpretando algumas das pessoas entrevistadas. Nele, estão atrizes nacionalmente conhecidas como <span style="font-style: italic;">Andréa Beltrão</span>, <span style="font-style: italic;">Marília Pêra</span> e <span style="font-style: italic;">Fernanda Torres</span>, além de outras não célebres.<br /><br />Ao poucos, dessa forma, o filme vai construindo um universo próprio. Sendo um filme sobre o ato de encenar no documentário e sobre o real na ficção, <span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span> irá a cada instante colocar questões ao espectador. Primeiro pondo em dúvida sobre o que é e o que não é real, depois levantando questões sobre o papel do cinema documentário.<br /><br />Quando se cria uma linguagem nova, é necessário dar tempo ao espectador para ele aprender a ler. É o que acontece em <span style="font-style: italic;">Grandes Sertões Veredas</span>, quando Guimarães Rosa “ensina” ao leitor a linguagem que vai empregar no livro. Guimarães faz isso abrindo um longo prólogo antes de adentrar na sua história propriamente dita. Ele dá tempo para o leitor ir se acostumando aos seus neologismos.<br /><br />É algo semelhante o que acontece em <span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span>. Coutinho não é didático. Mas ele ensina a melhor assistir o filme. Os primeiros depoimentos (reais e encenados) têm essa função, de ir fazendo o espectador mergulhar na obra. Nesses primeiros depoimentos, o filme apresenta seu foco documental e sua forma de filmar.<br /><br />Os depoimentos, invariavelmente, giram em torno da maternidade, das dores e do sufoco de ser mãe. São entrevistas tão doloridas, que em certo ponto nos sentimos dentro de uma sessão de psicanálise.<br /><br />As lágrimas, inclusive, são foco de análise dentro de <span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span>. É Marília Pêra quem comenta com Coutinho que o verdadeiro choro é feito escondido. E por isso ela tentou não chorar ao interpretar uma das personagens do documentário. Já Andréa Beltrão diz que não conseguiu não chorar. Ela achou a história triste demais. Fernanda Torres, ao contrário, se expõe enquanto profissional quando fala que não consegue entrar no papel: “isso está parecendo um teste”, ela diz.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Jogo de Cena</span> representa uma reviravolta importante na obra de Eduardo Coutinho que, com este filme, prova que não falava bobagem ao sempre aconselhar outros realizadores a serem inventivos. É que embora ele tenha sido importantíssimo para o documentário brasileiro, seu cinema se transformou numa espécie de dogma. E dogmas não são bons.<br /><br />Reinventando-se, Coutinho criou um dos mais importantes filmes nacionais, desde a retomada.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Este texto foi publicado originalmente na <a href="http://www.revistamoviola.com/"><span style="font-style: italic;">Revista Moviola</span></a></span>.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-23018261408766826282008-01-23T15:26:00.000-02:002008-12-09T13:24:03.266-02:00Tropa de Elite<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpTMra-kBzKWuVGEI53VNo2iKntKKJ30djOG8eA0JFsXD2TL7eEKRsvqbU8Mpdq_C9ZkbcZLRCXFBSt3n4MfLF-bbPcHeOlt6qCPmdPa2B9OrXc-vq5d3MXUBbe7f_Ukvbq96HuQ/s1600-h/tropa3.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpTMra-kBzKWuVGEI53VNo2iKntKKJ30djOG8eA0JFsXD2TL7eEKRsvqbU8Mpdq_C9ZkbcZLRCXFBSt3n4MfLF-bbPcHeOlt6qCPmdPa2B9OrXc-vq5d3MXUBbe7f_Ukvbq96HuQ/s400/tropa3.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5158726383687644994" border="0" /></a><br />Na estréia de <span style="font-style: italic;">Tropa de Elite</span>, no Rio de Janeiro, tinha tapete vermelho, muita imprensa, celebridades distribuindo sorrisos e mais uma penca de gente sem convite vip. Era também a abertura do Festival do Rio.<br /><br />Dias antes, o filme já estava na mídia. Tropa de Elite é um exemplo inédito do cinema nacional. Foco de uma pirataria sem precedentes, o longa-metagem de José Padilha caiu na boca do povo. Muito se falou. O próprio Padilha escreveu um artigo soltando fogo pelas ventas, pedindo punições e ameaçando até a imprensa, que ele acusava de ter visto o filme também em cópia pirata.<br /><br />José Padilha e seus distribuidores também ouviram. Foram acusados de, eles próprios, terem desviado as primeiras cópias, o que se transformaria num bem bolado esquema de <span style="font-style: italic;">marketing viral</span>. Estão apurando e parece que algum funcionário da pós-produção vai pagar o pato.<br /><br />Sem querer entrar nos méritos judiciais, o fato é que <span style="font-style: italic;">Tropa de Elite</span> é um sucesso retumbante. Não tenho notícias de como está a apreciação dos DVDs em outras praças do País. Mas no Rio de Janeiro, a aceitação é estrondosa.<br /><br />E o que <span style="font-style: italic;">Tropa de Elite</span> tem que despertou todo esse interesse? Quem desembolsou os R$ 10 pela cópia, levou para casa, entre outras coisas, uma refestelação sobre a falta do Estado nas favelas cariocas. Viu ali na sua TV, um filme que se apóia num ódio de classe que assola o Rio de Janeiro e, em graus diferenciados, o restante do País.<br /><br />O sucesso de <span style="font-style: italic;">Tropa de Elite</span> se pauta no tipo de expressão tão comumente ouvida pelas ruas, “que bandido tem mesmo é que ser morto”. Vide o caso da senhora que atirou na mão do assaltante e, de quebra, recebeu medalha da Câmara dos Vereadores; ou o caso das milícias (grupos paramilitares), que quando chegou à mídia, recebeu aprovação de grandes parcelas da sociedade.<br /><br />José Padilha já havia explorado o mesmo tema no seu documentário <span style="font-style: italic;">Ônibus 174</span>. Mesmo sendo uma obra documental, o filme tinha um forte viés melodramático. E é no seu clímax, que vemos uma multidão enfurecida querendo linchar Sandro, o seqüestrador do ônibus. Sandro morreria naquela mesma noite, após o fim do seqüestro, provavelmente assassinado pelos policiais.<br /><br />Há um simplismo generalizado que assola o entendimento da violência e do narcotráfico. O Estado culpa o usuário de drogas, discurso que os policiais de <span style="font-style: italic;">Tropa de Elite</span> não se cansam de repetir. A população, acuada, não quer nada além de tranqüilidade, nem que ela seja alcançada à base de bala.<br /><br />E embora o filme de José Padilha apresente em algum momento a complexidade da questão, ela não é aprofundada. Aliás, o único policial do longa-metragem que tenta fazer faculdade e é o único dali que problematiza essas relações da violência, é solenimente recriminado pelo narrador, ou seja, pela voz do filme.<br /><br />Sim, <span style="font-style: italic;">Tropa de Elite</span> tem um narrador. É Wagner Moura (em uma atuação excepcional), que faz o Capitão Nascimento. É a partir da visão dele que o filme irá caminhar. O personagem de Wagner Moura é um homem bem cotado do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Mas ele está em crise. Seu filho irá nascer e ele precisa arranjar um substituto para as suas funções.<br /><br />A partir daí o filme vai mostrar as várias incursões nas favelas, as torturas e os treinamentos dos homens de preto, como são conhecidos os policiais do Bope.<br /><br />A crise do Capitão Nascimento não é meramente ficcional. Ela reflete um dado pouco debatido, o alto número de suicídios entre policiais. A pressão é gigantesca, os salários baixos, o risco de morte contínuo.<br /><br />O sucesso de <span style="font-style: italic;">Tropa de Elite</span> também se baseia na exploração de sentimentos primitivos. É o que o cinema norte-americano faz desde que se entende por gente: a divisão clara entre o bandido e o mocinho; a forte vontade de vingança.<br /><br />Após a estréia do filme na tela de cinema, iniciou-se um debate na mídia ao acusar o longa-metragem de fascista. Não tenho certezas quanto até onde um filme pode ou não ir; até onde é ético apresentar valores que são contrários aos valores dominantes de uma sociedade. O que sei é que Tropa de Elite fez a opção deliberada de explorar um nicho de mercado baseado no ódio. É no ódio de um pelo o outro em que o filme se baseia. E é por isso que ele está fazendo todo o sucesso que está.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Este texto foi publicado originalmente na <a href="http://www.revistamoviola.com/"><span style="font-style: italic;">Revista Moviola</span></a></span>.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-79708617001479444012008-01-23T15:12:00.000-02:002008-12-09T13:24:03.501-02:00O Novo Mundo<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDX-UpKYgs6PbCLhhHa1TzmX4NYeqdAlFPW_Fho8pqGKR2l8di1I171qHHoZMv6mQtduhCGWM8u91mOIcDnob2Dy_U6-GfD4q_iIJVsIIaCyyCbw67y2okN2o41VKmQ9uIGK3eiA/s1600-h/malick.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDX-UpKYgs6PbCLhhHa1TzmX4NYeqdAlFPW_Fho8pqGKR2l8di1I171qHHoZMv6mQtduhCGWM8u91mOIcDnob2Dy_U6-GfD4q_iIJVsIIaCyyCbw67y2okN2o41VKmQ9uIGK3eiA/s400/malick.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5158723385800472370" border="0" /></a><br /><span style="font-weight: bold;">Apontando a câmera para cima</span><br /><br />Quando em <span style="font-style: italic;">O Novo Mundo</span>, filme de Terrence Malick, soam os acordes de <span style="font-style: italic;">O Ouro do Reno</span>, há o encontro da Europa com a América. É a chegada de uma expedição à costa ocidental e o início de uma colonização à base da força. Enquanto Wagner soa seus acordes em busca do que há de mais profundo, a câmera de Malick observa o desconhecer.<br /><br />Terrence Malick tem um olhar Romântico frente ao mundo. Um olhar pessimista. Malick, autor bissexto, dirigiu quatro filmes ao longo de três décadas. Sua obra é recheada de um invisível que ele busca compreender.<br /><br />A América intocada é parte dessa compreensão. <span style="font-style: italic;">O Novo Mundo</span> conta a história de Pocahontas, a índia que se apaixona e torna-se mulher do colonizador. Porque voltar a essa história tipicamente americana?<br /><br />A música que Malick toma emprestado de Wagner é síntese do que vem falando desde, pelo menos, seu filme anterior, o <span style="font-style: italic;">Além da Linha Vermelha</span>. Wagner foi buscar na mitologia alemã o arcabouço para suas óperas. <span style="font-style: italic;">O Ouro do Reno</span> é uma lenda que mistura elemento pagãos e cristãos. É a história de um anel que repousa sob a água. É daí que J. R. R. Tolkien retira seus principais elementos para a construção da sua saga <span style="font-style: italic;">O Senhor dos Anéis</span>. E assim como no romance, o anel é uma representação de poder. Quando ele é roubado, há o desequilíbrio. É uma das grandes representações arquetípicas: o fogo de Prometeu, o fruto do conhecimento. Interessante notar que Wagner terminará sua tetralogia com a ópera <span style="font-style: italic;">Parsifal</span>, que conta a história dos templários. A busca pelo Santo Graal; a necessidade humana de encontrar Deus na terra.<br /><br />Malick, com seu olhar Romântico, têm questionamentos semelhantes. Em <span style="font-style: italic;">O Novo Mundo</span>, enquanto soam os acordes de Wagner, chegam as caravelas. A música é enorme como aqueles navios; enorme como aquelas árvores que deixavam os homens tão pequenos frente ao mundo. Terrence Malick sabe qual é o tamanho do homem. E mostra-nos apontando a câmera para cima.<br /><br />Muita morte escoou sangue no sonho do encontro com o divino. Ao longo dos séculos, o Graal se metamorfoseou. Deixou de ser apenas um objeto, virou uma idéia, uma utopia de Éden.<br /><br />Quando a Europa aprendeu a içar grandes velas e enfrentar os dragões marítimos, o Graal se transformou no Novo Mundo. Europa, berço da civilização, berço do renascimento, motivo do encontro do divino no homem. Essa Europa foi buscar o Paraíso no além horizonte. Essa Europa achou que tinha encontrado a Fonte da Vida nas terras imaculadas, nas regiões que mãos brancas ainda não cavavam, não plantavam. <span style="font-style: italic;">O Novo Mundo</span> era a esperança de um recomeçar, a comunhão com um futuro.<br /><br />Terrence Malick se apropria dessa utopia de Paraíso na Terra e dessa necessidade que o homem – vira e mexe – tem pelo sublime, pelo arrebatamento. A relação com o sublime, seja pelo medo ou pela admiração, tem a propriedade de fazer o homem ver-se um pouco mais como bicho; encarar-se um tanto mais como ser mortal.<br /><br />O homem urbano ao olhar para o mundo o faz de maneira diferente. Vivemos em edifícios, voamos sobre as nuvens, cruzamos continentes em poucas horas. Era um olhar diferente na época que o mundo parecia mais gigantesco.<br /><br />É recorrente para Terrence Malick problematizar a presença do homem, o alongar do tempo para saber mais sobre a dor humana na terra. Em <span style="font-style: italic;">Além da Linha Vermelha</span>, a mesma câmera que mostra as grandes e imaculadas árvores da América de Pocahontas, mostra o que há de intocado e desconhecido para os americanos na Ásia da Segunda Guerra Mundial.<br /><br />Em ambos os filmes há um estranhamento vísceral com a terra estrangeira. Em ambos os filmes, estrangeiros chegam de barco para tomar uma terra alheia.<br /><br />Malick parece preocupado sobretudo com o que há de profundo e incompreendido no homem.<br /><br />Em 2008 Malick quebrará o estigma do diretor de grandes hiatos e lançará <span style="font-style: italic;">Tree of Life</span>. A julgar pelo título, seguirá seus questionamentos acerca da presença humana frente à natureza, frente esse medo e fascínio que o acompanha por toda a obra.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Este texto foi publicado originalmente na <a href="http://www.revistamoviola.com"><span style="font-style: italic;">Revista Moviola</span></a></span>.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-12898338090882440762007-08-10T14:55:00.000-03:002008-12-09T13:24:03.681-02:00Conceição - Autor bom é autor morto<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfdcNZJesrmqleO_Im4jSwFwj8J7CXnwD6eTeLR-tM5AkOOPb-kVniM8FKGzurij_E7B6xvkjY6kOKLLAI4Uo-CDff1dn9KUSBPnvzFaIs_fvQslHey_oGrWLjv5M41R-SilNHtA/s1600-h/conceicao.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfdcNZJesrmqleO_Im4jSwFwj8J7CXnwD6eTeLR-tM5AkOOPb-kVniM8FKGzurij_E7B6xvkjY6kOKLLAI4Uo-CDff1dn9KUSBPnvzFaIs_fvQslHey_oGrWLjv5M41R-SilNHtA/s400/conceicao.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5097132874065984162" border="0" /></a>Foram necessários dez anos para que cinco alunos (hoje ex-alunos) de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) conseguissem realizar, finalizar e exibir o filme <em>Conceição – </em><em>Autor</em><em> </em><em>bom</em><em> é </em><em>autor</em><em> </em><em>morto</em><em>.</em> Com uma produção precária, os realizadores ousaram sonhar alto e produziram o que até então era visto como impensável. Conseguiram. <p>Após muito penar, <em>Conceição </em>cooptou a parceria da Riofilmes, que assumiu a distribuição deste que é o primeiro longa-metragem de ficção feito em um curso de cinema. Sua carreira começa de forma modesta, sendo exibido primeiramente no Rio de Janeiro, Niterói e em São Paulo. Nas três cidades, o filme está presente em apenas uma sala de exibição.<span id="more-379"></span></p> <p>Na sua pré-estréia no Rio de Janeiro, <em>Conceição</em> lotou o cinema Odeon, com seus 600 lugares. Arrancou da platéia palmas e urros de empolgação. Ok, o público era formado basicamente por amigos, parentes e alunos da UFF. Era, portanto, um público pré-disposto e receptível. Já na última edição do festival Cine Esquema Novo, realizado em Porto Alegre, o longa-metragem levou o prêmio do júri popular.</p> <p>Mas pelo o que tudo indica, <em>Conceição </em>terá uma estada breve nas salas de cinema. Não que o filme seja ruim, pelo contrário. Diferente do que muitos esperavam, <em>Conceição </em>é digno de estar nas salas de cinema. Diferente, inclusive, do que o jornal O Globo acha, com seu bonequinho cochilando. O problema é que o longa-metragem é um alienígena frente aos seus pares do cinema nacional.</p> <p>O filme de André Sampaio, Cynthia Sims, Daniel Caetano, Guilherme Sarmiento e Samantha Ribeiro nega algumas das principais características do cinema brasileiro pós-retomada: a verossimilhança, o naturalismo e um certo “padrão de qualidade televisivo” que permeia muitas das produções nacionais recentes. <em>Conceição </em>é <em>trash</em>, experimental, irregular. E essas características são o que há de melhor no filme.</p> <p>Sendo uma obra coletiva, <em>Conceição </em>não é apenas<em> </em>um, mas também muitos filmes. Há nele uma polifonia que às vezes soa radical, às vezes soa confusa. Mas em momento algum desinteressante. <em>Conceição </em>é cinema em extremo. O filme se valida fortemente da metalinguagem e carrega em seus genes uma boa porção do cinema marginal.</p> <p>Em seu enredo, diretores bebem em uma mesa de bar enquanto elocubram sobre os filmes que pretendem realizar. Os filmes imaginados são apresentados à platéia enquanto eles bebem mais e mais cerveja. São histórias algumas vezes metafísicas, outras poéticas, em geral permeadas por humor negro. Tem a história do personagem que foge desesperadamente de seu algoz (o perseguidor é interpretado pelo cantor Jards Macalé). Há também a história do cara que vende fezes, do cara que tem seu pênis decepado, entre outras bizarrices. Intercalando, há um documentário poético sobre o filme que anônimos gostariam de filmar. <em>Conceição</em> é o filme que esses autores sonharam fazer.</p> <p>O que ainda não foi dito aqui é que <em>Conceição</em>, além de tudo, é livre, anárquico. Independente da carreira que o filme tiver nos cinemas, <em>Conceição </em>entra automaticamente no panteão dos filmes <em>cults</em>, dos filmes utilizados como referência quando outros jovens realizadores estiverem discutindo seus respectivos projetos em outras mesas de bar.<br /><br /><br /><object height="329" width="400"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/ettjrWQ4zSs"><param name="wmode" value="transparent"><embed src="http://www.youtube.com/v/ettjrWQ4zSs" type="application/x-shockwave-flash" wmode="transparent" height="329" width="400"></embed></object></p>Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-85285869564772507722007-06-28T10:55:00.000-03:002008-12-09T13:24:03.814-02:00Cão sem Dono<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaDxEA68VQs6kAy4HewOMRlyvGv5QVOjS3yCdTNaIQpJ_zMPzF5vE1EAsvi_HC4Gi4vw4ABRg328WYf_z6CVXPrElL-LDYoP3rtoElp2is0eR8feaumUz8VNwb2lj9pxlWZGCihw/s1600-h/caosemdono2.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaDxEA68VQs6kAy4HewOMRlyvGv5QVOjS3yCdTNaIQpJ_zMPzF5vE1EAsvi_HC4Gi4vw4ABRg328WYf_z6CVXPrElL-LDYoP3rtoElp2is0eR8feaumUz8VNwb2lj9pxlWZGCihw/s400/caosemdono2.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5081114754951700546" border="0" /></a>Beto Brant parece estar se afastando paulatinamente do cinema policial ou mesmo de histórias com enredos articulados, dramáticos. Se em <em>Crime</em><em> </em><em>Delicado</em>, seu penúltimo filme, já se via isso claramente, neste <em>Cão</em><em> </em><em>sem</em><em> </em><em>Dono</em> ele chegou a lugares não antes navegados em seus quatro longas-metragnes anteriores. Ao lado de Renato Ciasca, co-diretor, Beto Brant apostou em um filme pequeno, discreto. <p><em>Cão</em><em> </em><em>sem</em><em> </em><em>Dono</em><em> </em>está ao lado de uma parcela de filmes do cinema nacional que prima por uma representação mais íntima para contar suas histórias. Nestes filmes não há aquela montanha russa de emoções tão propalada nos manuais de roteiro. Talvez o que mais importe a ser observado nessas obras, seja a relação formal que é estabelecida em suas narrativas. São filmes, aliás, de narrativas escassas, em que o tempo é diluído.</p> <p><em>Cão</em><em> </em><em>sem</em><em> </em><em>Dono</em> é um desses filmes em que a câmera parece ouvir o cochichar dos seus personagens. Longas-metragens recentes como <a href="http://quebra-de-eixo.blogspot.com/2007/02/o-cu-de-suely.html"><em>O </em><em>Céu</em><em> de Suely</em></a>, <a href="http://quebra-de-eixo.blogspot.com/2007/05/proibido-proibir.html"><em>Proibido</em><em> </em><em>Proibir</em></a> ou <a href="http://quebra-de-eixo.blogspot.com/2005/12/cinema-aspirinas-e-urubus.html"><em>Cinemas</em><em>, </em><em>Aspirinas</em><em> e </em><em>Urubus</em></a> são outros exemplos dessa representação íntima, desse modo de ver e fazer a imagem em movimento.</p> <p><em>A</em>daptado do romance <em>Até</em><em> o </em><em>Dia</em><em> </em><em>em</em><em> </em><em>que</em><em> o </em><em>Cão</em><em> Morreu, </em>escrito pelo porto-alegrense Daniel Galera, o filme é uma história sobre solidão, sobre a dor de se perder: perde-se a si e ao outro. O cão sem dono é tanto o cachorro vira-lata que Ciro, o protagonista, cuida, quanto o próprio personagem central. O longa-metragem trata sobre o valor que damos às coisas e às pessoas, sobre os preconceitos que temos frente aos outros. É, no entanto, a presença da morte, sempre ela, que nos faz repensar o real valor de cada um.</p> <p>No enredo, Ciro pouco a pouco se apaixona por Marcela, uma aspirante a modelo. São dois mundos estranhos, um ao outro. Ciro com sua vida de intelectual em auto-destruição; Marcela em suas buscas pelo glamour.</p> <p>É um filme cru, que explora os silêncios, os constrangimentos, as pausas nos diálogos para compor seu universo. Seus diálogos parecem não terem sido escritos, ficando aos improvisos a vida dos personagens. O interessante é que as escolhas de Beto Brant e Renato Ciasca mostram um caminho de rigoroso experimento na condução do enredo, já que o texto falado é em muitos momentos desprovido de função dramatúrgica. É que o dito naturalismo no cinema está submetido a regras que as conversas do dia-a-dia não se aproximam. Contraditoriamente, para se escrever algo que soe banal, natural, é necessário escrever algo não natural, algo que esteja alinhado com uma certa construção da linguagem.</p> <p>Um bom exemplo são as conversas de Ciro e seu pai na mesa de almoço. Ou ainda o modo que Ciro fala com o porteiro de seu prédio, ao descobrir que ele é pintor. Essa “não dramaturgia” funciona tão bem, que o espectador parece compartilhar da situação, mas não apenas como observador (o que é comum no cinema), mas como alguém que já estivesse passado por aquilo. É algo familiar. Engraçado é que essa é uma das característica e vocações do cinema-clássico narrativo, mas é em filmes que negam até certo ponto seus ditames, que esse efeito é alcançado. É provável que isso seja sinal de um esvaziamento de uma linguagem padrão. Se não esvaziamento, pelo menos um desgaste.</p> <p>Em outras palavras, o que <em>Cão</em><em> </em><em>sem</em><em> </em><em>Dono</em> tem a coragem de experimentar, é a sua aproximação com o hiper-realismo. É como observar uma tela de Edward Hopper, pintor nova-iorquino. São pinturas amarguradas, que com uma técnica apurada, quase fotográfica, procurava mostrar a solidão urbana. Muitas vezes, Edward Hopper mostrava esse estar só através de pessoas comuns: atendentes de bares, consumidores, anônimos em suas casas ou calçadas.</p> <p>Assim é em <em>Cão</em><em> </em><em>sem</em><em> </em><em>Dono</em>, que explora os universos tristes de uma garota que quer ser modelo e de um tradutor de russo que não tem nenhum Dostoievski<strong> </strong>a ser traduzido. Há também o cão vira-lata, que todos os dias entra em casa quando o porteiro o leva de elevador.</p>Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-49639297818337752952007-05-05T11:39:00.000-03:002008-12-09T13:24:04.524-02:00Proibido Proibir<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoCgtOazEEEX3BFss9NGXi1iCwX3QL1swJeng-pAb2ulepVGT2tGxz0sFAFe3G-EMKyTOs87Dg5_tCHFIEqOAxG90UiStbS6_RZmKwmlms_MLEQQsshSD8vBL5yId4dv4U8vwZTQ/s1600-h/proibido.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoCgtOazEEEX3BFss9NGXi1iCwX3QL1swJeng-pAb2ulepVGT2tGxz0sFAFe3G-EMKyTOs87Dg5_tCHFIEqOAxG90UiStbS6_RZmKwmlms_MLEQQsshSD8vBL5yId4dv4U8vwZTQ/s400/proibido.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5061090446003033842" border="0" /></a><p>Era 1968. A revolução que havia sacudido a França em maio daquele ano modificava o jeito de pensar da juventude de esquerda no mundo inteiro. Em setembro do mesmo ano, Caetano Veloso, no Brasil, subia ao palco acompanhado pelos Mutantes. Guitarras em punho, ouviram uma das maiores vaias da história da música brasileira. Se não a maior, pelo menos a mais célebre. Engraçado, ele cantava <em>Proibido Proibir</em>. As vaias eram contra as guitarras, que no imaginário da época maculavam a verdadeira MPB, eram sinal de alienação cultural. O resultado é que Caetano desfiou um discurso exaltado, gravado posteriormente em disco.</p> <p>Hoje, o slogan “proibido proibir” soa banal. É que o mundo mudou, perdeu as utopias ao longo dessas quase quatro décadas que nos separam do maio francês. O Brasil deixou para trás sua ditadura militar. E é nesse entendimento que reside a primazia do segundo filme de Jorge Durán. Um triângulo amoroso que usa como base a alienação da juventude carioca frente aos dramas e infortúnios sociais vividos por aqueles abaixo da linha de pobreza.</p> <p><em>Proibido Proibir</em> mostra de perto o convívio de três estudantes universitários, Paulo (Caio Blat), Leon (Alexandre Rodrigues) e Letícia (Maria Flor). Paulo cursa Medicina; Leon, Ciências Sociais; e Letícia, Arquitetura. São personagens típicos da fauna acadêmica. O de Caio Blat não leva a vida muito a sério, não tem um tostão e gasta o que não tem com cerveja e drogas. O seu amigo, Leon, é engajado, faz pesquisas de campo em comunidades carentes e se ressente porque isso é pouco, ínfimo. Letícia, namorada de Leon, é uma patricinha hippie, dessas que se vê muito por aí.</p> <p>É acompanhando o relacionamento desses três, que o filme vai radiografar o estado das coisas. Ou melhor dizendo, o pensamento médio do jovem universitário frente a sua cidade, frente ao Rio de Janeiro. Mas é ao longo do filme, que a cidade e sua periferia vão trazer as modificações que eles achavam não serem necessárias para si mesmos. É quando a favela invade o filme, quando os conflitos dos personagens os obrigam a tomar decisões graves que os colocam em questões morais que ultrapassam seus padrões de conduta.</p> <p>Um ponto interessantíssimo de <em>Proibido Proibir</em> é a capacidade de trazer o documental para dentro da ficção sem que soe falso ou professoral. Do mesmo modo, o retrato da periferia não tem nada de glamourizado, até porque as escolhas das locações primaram por geografias não conhecidas, favelas que ninguém fora dali costuma pisar, nem o Estado.</p> <p>Por outro lado, <em>Proibido Proibir</em> parece ser um filme de outro tempo. Sua cara, sua mise-en-scène, é de um cinema que já tivemos e que não se encontra mais costumeiramente nas novas produções. Isso não é necessariamente ruim, talvez o problema esteja na pasteurização da imagem que o cinema nacional atual tem como padrão de qualidade, vide <em>Os Dois Filhos de Francisco</em>, <em>Cidade de Deus</em>, <em>O Homem do Ano</em>, entre tantos outros.</p> <p>Talvez a conseqüência dessa estética seja o fato de que Jorge Durán não dirigia um longa-metragem há 20 anos. O anterior foi <em>A Cor do seu Destino</em>, de 1986. Mas Durán não é cineasta de poucos filmes. Na verdade, sua grande contribuição ao cinema se dá enquanto roteirista. São deles roteiros de filmes importantes como <em>Pixote – A Lei do Mais Fraco</em>, <em>Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia</em> e <em>O Beijo da Mulher Aranha</em>.</p> <p>Existem algumas lacunas presentes em <em>Proibido Proibir</em>, como as atuações que oscilam e que em alguns trechos dão pouca credibilidade ao trio; ou como em alguns poucos momentos (principalmente nos minutos iniciais) em que os diálogos surgem um tanto pueris, às vezes didáticos. No entanto, ultrapassados esses problemas, o filme demonstra possuir momentos de força e beleza dignos de estarem na tela de cinema. Um deles é a seqüência em que a personagem de Maria Flor caminha pelo Rio e estuda sua arquitetura. O filme trabalha uma metáfora da degradação social/moral através das fotografias feitas por Letícia. Ela fotografa as ruínas, o pouco zelo com a história da cidade.</p> <p>Uma outra bela seqüência é a que conclui o filme, arrebatadora. Mas essa eu deixo para vocês.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-76131047587455703992007-03-18T15:26:00.000-03:002008-12-09T13:24:04.763-02:00Babel<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4ry6mW4H8p9H4ObONnlUY1Y2QUoPF7v2PwLGqTB4QMZYsLw4r7q2e_ReGs82w-3WVLiIvtNDTYzHeX2fK-x3wxnX_6sf6LRhkxcQZtWikypQ7TCiS7ZwhJLMJnXWZIIalYutwQA/s1600-h/img_babel.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4ry6mW4H8p9H4ObONnlUY1Y2QUoPF7v2PwLGqTB4QMZYsLw4r7q2e_ReGs82w-3WVLiIvtNDTYzHeX2fK-x3wxnX_6sf6LRhkxcQZtWikypQ7TCiS7ZwhJLMJnXWZIIalYutwQA/s400/img_babel.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5043335658722000658" border="0" /></a><span style="font-weight: bold;">Da dor à redenção</span><br /><br />Quando <span style="font-style: italic;">Amores Brutos</span> estreou no Brasil, Alejandro Iñarritu estava apenas começando sua carreira internacional. Após seis anos e mais dois longas, agora o seu nome é uma assinatura. Uma assinatura tão forte que permitia prever o que <span style="font-style: italic;">Babel</span>, seu novo filme, traria para as salas de cinema: um emaranhado de histórias que se chocam umas às outras, fragmentadas, sem ordem cronológica; tragédias e respectivas dores, muitas dores.<br /><br />Iñarritu alcançou algo muito complicado para os nossos dias de blogs, fotologs, youtubes… conseguiu imprimir uma marca, deixar claro do que trata sua assinatura. Diante de toda hiperprodução de informações, do surgimento de tantos gênios efêmeros, da magnitude do descartável, Iñarritu conseguiu estabelecer seu nome. Por outro lado, toda a necessidade de arrebatamento tão típica do mundo contemporâneo – essa busca pela catarse em cada byte de e-mail, em cada nova obra de arte ou publicidade – trabalha contra ele.<br /><br />É necessário uma análise com alteridade: o tão diagnosticado caos contemporâneo, a aceleração das pessoas e suas pressas, a internet e o mundo de informações e entretenimento que estão disponíveis aos mais brandos cliques, causam esse estranhamento nas coisas que não mudam. <span style="font-style: italic;">Babel </span>é o que já sabíamos que seria. Mas há um problema real nisso? É verdadeiramente depreciativo reconhecer em um autor o seu estilo? O certo é que essa pós-modernidade é tão estranha, que cobra a reinvenção de autores que têm como marca as constantes mudanças de estilo. É o caso de diretores como Quentin Tarantino ou Steven Soderbergh, com seus filmes híbridos, mutáveis.<br /><br />Muito embora a forma do filme já fosse previsível, Iñarritu conseguiu harmonizar de tal forma a não cronologia, com tanta maestria, que é surpreendente ao olho atento acompanhar o desenrolar da fita. Aliás, não há espectador passivo nas platéias de seus filmes. O paradigma do espectador semi-adormecido – imerso na ilusão do cinema clássico-narrativo, aberto a um mundo fílmico sólido, sem brechas para esse despertar – é completamente negado pelo cinema de Iñarritu. Seus filmes obrigam que a platéia esteja atenta, refazendo em seus pensamentos uma segunda montagem que permita, assim, a compreensão linear da obra. E é assim desde <span style="font-style: italic;">Amores Brutos</span>.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Amores Brutos</span>, no entanto, foi uma experiência mais linear. O filme se subdividia em outras histórias a partir de um acidente e mantinha alguma coerência com a forma escolhida para o filme. Já em <span style="font-style: italic;">21 Gramas</span>, segundo filme do diretor, houve uma radicalização no experimento, quando Iñarritu fragmentou cronologicamente e geograficamente o filme a ponto de muitos espectadores saírem das salas sem terem compreendido bem o que havia assistido. O mais irônico é que em <span style="font-style: italic;">21 Gramas</span>, é apenas esse jogo de montagem que é responsável por algo peculiar no filme. Se fosse editado de forma linear, o que veríamos seria um melodrama típico.<br /><br />O termo melodrama (ou pelo menos algo desse conceito) é essencial para o entendimento do cinema de Alejandro Iñarritu. Isso porque ao que seus filmes indicam, o diretor acredita na dor/tragédia como um caminho para a redenção. <span style="font-style: italic;">Babel </span>é constituído de quatro núcleos e neles, em cada um deles, há sofrimentos profundos. Em linhas gerais, o melodrama define uma narrativa calcada no sofrimento e na impossibilidade de fuga desse sentimento. Em seu cinema, os personagens parecem sofrer para poder entender qual é seu papel no mundo. E é isso que acontece nos quatro núcleos de <span style="font-style: italic;">Babel</span>.<br /><br />São quatro histórias, cada uma contada em uma língua diferente. Assim como em seus filmes anteriores, Iñarritu utiliza coincidências para uni-las. Estados Unidos, México, Marrocos e Japão foram os cenários escolhidos para construir essa <span style="font-style: italic;">Babel</span>. E o que une essas geografias é um rifle. É como se o filme, na verdade, estivesse contando a história desse rifle. Mais profundamente, entretanto, vê-se que o mote do filme não é simplesmente a dor que une essas histórias, e sim a intolerância que está presente nas fronteiras, entre os povos de um mundo globalizado.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-90068122412529581762007-02-18T12:01:00.000-02:002008-12-09T13:24:04.918-02:00O Céu de Suely<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgR2pi7zoBXW1ZAohBqo4bFWrVry7nqgo9acl0T1I5wlpjVQWt7IaqK_xlLcSsl5E46NTumk-4eNRkcOCjPnIDRl6dKRL8iU9Rs_JCjUBCxmbxiiWKlXZpjz5kHhIsx9BdD0gsJMw/s1600-h/ceu+de+suely.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgR2pi7zoBXW1ZAohBqo4bFWrVry7nqgo9acl0T1I5wlpjVQWt7IaqK_xlLcSsl5E46NTumk-4eNRkcOCjPnIDRl6dKRL8iU9Rs_JCjUBCxmbxiiWKlXZpjz5kHhIsx9BdD0gsJMw/s400/ceu+de+suely.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5032875600628368386" border="0" /></a><br />Iguatu é uma cidade de 92 mil habitantes cravada no centro do sertão cearense. É para lá que Hermila se desloca nos instantes iniciais de <span style="font-style: italic;">O Céu de Suely</span>, segundo longa-metragem de Karim Aïnouz. Ela chega de ônibus, trazendo no braço o peso de um filho pequeno e da bagagem do que restou de dois anos em São Paulo.<br /><br />Assim como em <span style="font-style: italic;">Madame Satã</span>, primeiro filme do diretor, <span style="font-style: italic;">O Céu de Suely</span> vai se construir na proximidade da câmera com sua protagonista, renegando artifícios puramente dramatúrgicos, focando-se no que há de essencial para a compreensão da personagem. Mas Hermila não tem a histeria de <span style="font-style: italic;">Madame Satã</span> e se em seu primeiro longa-metragem Karim Aïnouz oscilou o foco de seus planos para acentuar a ira do protagonista, nesse segundo há uma delicadeza que busca os detalhes, as texturas da região, a dor de uma Hermila muito nova para ter um filho, grande demais para permanecer em sua pequena Iguatu.<br /><br />Hermila retorna para viver ao lado de uma tia e de sua avó, enquanto espera a chegada do marido que permaneceu em São Paulo. Mas ele não vem e logo ela descobre que foi abandonada. A personagem, então, decide partir novamente, mas para arrecadar dinheiro para sua viagem, promove uma rifa na qual o prêmio é “uma noite no paraíso”. Hermila decide se prostituir por uma noite apenas, em troca de uma nova chance de estar longe de Iguatu. É daí que vem o título do longa-metragem, pois ela ao vender a rifa escolhe o pseudônimo Suely.<br /><br />A protagonista é interpretada pela atriz pernambucana Hermila Guedes que, assim como os outros atores, empresta seu nome para a personagem. A escolha pelo batismo foi uma tentativa de aproximar os atores dos seus papéis, de deixá-los imersos na vida de seus personagens. Na verdade, esse foi apenas uma pequena parte da longa preparação feita por Fátima Toledo. No trabalho de preparação, os atores viveram por dois meses como moradores de Iguatu, usavam as roupas do próprio filme e tiveram que se mesclar à cidade, em um movimento de imersão que resultou em atuações orgânicas e no prêmio de melhor atriz feminina no Festival do Rio de 2006. Mas as interpretações de <span style="font-style: italic;">O Céu de Suley</span> não são resultado apenas do trabalho de preparação de elenco, mas também da persistência de Karim Aïnouz em privilegiar as atuações. Além dessa imersão, a estrutura do filme foi montada sempre para servir aos atores. Nas filmagens, por exemplo, a própria claquete foi abolida, no intuito de afastar o maior número de elementos que pudessem interferir no trabalho dos atores.<br /><br /><span style="font-style: italic;">O Céu de Suely</span> é um filme de sensações. Embora nele seja possível identificar todo um esforço de roteiro para levar o espectador a acompanhar um enredo com começo-meio-e-fim, o que sobressalta é a sua forma de olhar. Um olhar sem julgamentos que está muito mais a serviço da personagem do que de maneirismos cinematográficos. Quando Karim Aïnouz deixa que a cidade interfira na linha narrativa do filme, é isso que está fazendo. Porque ele se apropria de um discurso imagético e auditivo que é característico da região e o faz a favor do filme. Um outro exemplo é a escolha da trilha sonora, que pontua o longa com músicas do chamado tecno-brega. São versões de músicas pops estrangeiras em ritmo de forró.<br /><br />De certa forma, <span style="font-style: italic;">O Céu de Suely</span> está localizado ao lado de outras produções recentes do cinema nacional. Aliás, produções que de algum modo tiveram participação do próprio Karim Aïnouz, como <span style="font-style: italic;">Cidade Baixa</span>, de Sérgio Machado e <span style="font-style: italic;">Cinema Aspirinas e Urubus</span>, de Marcelo Gomes. Ambos os filmes têm a participação do diretor de <span style="font-style: italic;">O Céu de Suely</span> no roteiro. O que emparelha esses filmes numa linha próxima é a vontade de buscar um cinema que não esteja propriamente ligado a uma narrativa no qual o conflito é a chave para o princípio e o fim. São filmes que também procuram não contar para melhor contar.<br /><br />É óbvio que nada disso é novidade na historiografia do cinema, mas é interessante notar como de tempos em tempos há movimentos de idas e vindas e como se prestarmos atenção, é possível antever a chegada de outros nesta mesma linha.<br /><br />A proximidade que o <span style="font-style: italic;">Céu de Suely</span> tem com um modo de discurso fílmico não o subjuga em nenhum momento. Pelo contrário, os não ditos, os silêncios, a delicadeza dessa produção é o grande trunfo que os 90 minutos de filme dão ao público.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1149551878497518302006-06-05T20:50:00.000-03:002006-06-29T10:13:57.013-03:00Moacir - Arte Bruta<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/MOACIRARTEBRUTA_02.2.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/320/MOACIRARTEBRUTA_02.1.jpg" alt="" border="0" /></a><br /><div align="left">O conceito de arte bruta é uma tentativa da psicanálise de delimitar e entender a produção estética de pessoas com problemas psiquiátricos. Arte bruta é a manifestação do inconsciente, é quando se faz arte sem conhecê-la, sem a noção de sua história ou de suas referências. Arte bruta refere-se ao que a mente é capaz de produzir sem a interferência do mundo exterior. É um conceito estranho. Um entendimento que parece vir imbuído de algum preconceito com o fazer artístico de pessoas que, a rigor, não estariam aptas a tal.<br /><br />Arte bruta é o que Moacir faz. Moacir é pobre, analfabeto, camponês. Mora no Povoado de São Jorge, um pequeno lugarejo no interior de Goiás. Moacir também tem problemas para se comunicar, além de alguma disfunção psiquiátrica que o mantém num mundo à parte e ao que parece, envolto em alucinações. É dessas visões que Moacir retira grande parte das imagens que desenha e pinta.<br /><br />Nesse documentário de Walter Carvalho, Moacir não tem sobrenome. Pode até parecer apenas um detalhe, mas a omissão do sobrenome mostra uma escolha importante sobre o “biografado”. É uma escolha que reafirma a condição de quase anonimato do personagem.<br /><br />Moacir sabe assinar seu nome. E ele o faz em cada desenho que termina. A câmera, por muitas vezes, mostra esse ato, em linhas brutas. Um gesto simples que também diz muito sobre ele. Naquele nome mal traçado de Moacir, sem perceber o espectador faz toda uma conceituação, ou melhor dizendo, uma pré-conceituação.<br /><br /><em>Moacir – Arte Bruta</em> é o segundo documentário assinado por Walter Carvalho. O primeiro foi <a href="http://quebra-de-eixo.blogspot.com/2006/06/janela-da-alma.html"><em>Janela da Alma</em></a> e foi feito em parceria com João Jardim. Nesse segundo, Walter Carvalho abre mão da função que lhe é mais cara dentro do cinema, da função que o tornou referência no cinema nacional contemporâneo, a direção de fotografia. Ele assinou a luz de filmes como <em>Terra Estrangeira</em>, <em><a href="http://quebra-de-eixo.blogspot.com/2005/07/abril-despedaado.html">Abril Despedaçado</a></em>, <em>Lavoura Arcaica</em>, <em>Amarelo Manga</em> e <em>Madame Satã</em>. Em Arte Bruta, é Lula Carvalho, seu filho, quem faz a fotografia.<br /><br />Arte Bruta não tem a profundidade – nem estética, nem de conteúdo – que <em>Janela da Alma</em> possui. A polifonia de depoimentos do primeiro documentário desta vez é substituído por um pequeno punhado de entrevistados. Todos eles tentando explicar de onde vem a arte de Moacir. O próprio Moacir fala no filme, mas é uma fala entrecortada, confusa, repetitiva. Dialeticamente, trabalha-se a noção que o povoado tem sobre Moacir e sua pintura.<br /><br />O sexo é dominante na obra de Moacir. São representações humanas que lembram em muitos momentos expressões de algumas tribos africanas. Olhos/vaginas que se multiplicam por muitas telas; demônios que parecem ser o carro chefe de sua propaganda junto ao povoado. Demônios que assustam e encantam o povo da região. Sua casa é uma espécie de outdoor, com pinturas grandes que se espalham pelo lado de fora e que de longe são um chamariz para os turistas que por ali passam e compram seus trabalhos. É com a venda desses desenhos que se sustenta a família: Moacir, sua irmã e seus pais. São eles que falam sobre seus desenhos e sobre a vida de Moacir. Além deles, alguns vizinhos.<br /><br />Walter Carvalho descobriu os desenhos de Moacir como muitos que por lá passam. No início da década de 90, de passagem, viu um pequeno desenho em um bar da região. Soube de sua história e procurou conhecê-lo. Fez uma foto de Moacir e sua família, ainda morando em uma casa de palha. É um dos primeiros momentos do filme, quando Walter Carvalho mostra a foto feita há 13 anos e pergunta se Moacir lembra da ocasião.<br /><br />Há um outro plano significativo no documentário, quando Moacir, em casa, assiste TV. O sinal é ruim e em meio ao chuviscado é exibido um programa que leiloa pinturas. Não há como saber se toda a atenção que Moacir dá ao programa é apenas pelo fascínio que a televisão costuma exercer ou se é pelo contato com a pintura de outro autor. São flores e marinhas, pinturas meramente decorativas.<br /><br />Moacir não sabe, mas nesse documentário ele é a representação de um mundo exótico, algo parecido com o que acontecia na época das grandes navegações, na época em que o Velho Mundo ficava fascinado com o que era descoberto por estas terras. Esta afirmação não toma aqui um caráter meramente pejorativo. No entanto, a força de <em>Moacir – Arte Bruta</em> está mais no estranhamento do público com esse personagem do que na obra em si. De alguma forma, é como se fôssemos europeus fascinados com um mundo desconhecido, um mundo fundado sobre crenças e medos.</div>Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1149551140798527252006-06-05T20:40:00.000-03:002006-06-05T20:47:25.526-03:00Janela da Alma<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/janela_da_alma.jpg"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/320/janela_da_alma.jpg" border="0" /></a><br /><strong>Espelho do mundo</strong><br /><br />A primeira impressão que surge ao assistir os minutos iniciais de <em>Janela da Alma</em>, documentário de João Jardim e Walter Carvalho, é que é um filme sobre o ato de ver, sobre a visão, e sobre como determinadas pessoas que possuem algum tipo de problema na acuidade visual a encara. Não está errado. No entanto, o filme propõe mais. <em>Janela da Alma</em> propõe também um debate abstrato e poético sobre o tema. O documentário não se resigna a tratar da visão (ou da falta dela) a partir de um lado pessimista ou limitador do que é o enxergar. É por esse motivo que o primeiro depoimento apresentado é o de Hermeto Pascoal, músico multinstrumentista. Hermeto Pascoal não consegue fixar os olhos em um único objeto. Suas pupilas se mexem ininterruptamente em diferentes direções, o que o faz descrever com bom humor, que sua vista é rica, porque enxerga mais.<br /><br />Em depoimento seguinte, o escritor José Saramago, nobel por seu livro <em>Ensaio sobre a Cegueira</em>, continuará recortando o tema de <em>Janela da Alma</em>. Para Saramago, a visão limitada do homem o faz ser como é. Ele faz uma parábola e imagina que se Romeu tivesse os olhos de falcão, provavelmente não se interessaria por Julieta, já que ele enxergaria muito mais defeitos do que o olho humano é capaz de fazê-lo.<br /><br />Assim, o filme de Jardim e Carvalho, embora não negue em determinados momentos uma investigação mais banal sobre o tema, se aprofunda em uma discussão plural e abstrata, em que o tema “visão” é apenas um propulsor para diversas compreensões de mundo, sejam elas de cunho artístico, filosófico, poético, científico ou social.<br /><br />Saramago irá abordar, por exemplo, como surgiu a idéia para escrever <em>Ensaio sobre a Cegueira</em>, quando se perguntou como seria o mundo se todos fôssemos cegos. De acordo com sua reflexão, a resposta é que já somos, tendo em vista a total desordem que assola o mundo, o desafeto, a miséria etc.<br /><br />Talvez seja disso que o filósofo esloveno Evgen Bavcar queira falar com suas fotografias. Bavcar se tornou cego após dois acidentes de guerra. As perguntas imediatas que qualquer um faria não são colocadas pelo filme, “pode um cego fotografar? qual é o valor artístico de um fotógrafo que não vê o que enquadra?”. O filme não pergunta mas mostra o fotógrafo em ação, fazendo fotografias e medindo com as mãos o foco, tateando o espaço entre a câmera e a modelo. Evgen Bavcar também não problematiza a questão, pelo contrário, se mostra tão surpreso quanto qualquer outro, falando que a primeira vez que revelou as fotografias feitas após a cegueira, não acreditou quando disseram que havia ali imagens. Mas há um determinado trecho que é revelador, quando Bavcar mostra as fotos que fez de sua sobrinha no campo. Enquanto ela corria com um sininho, ele podia seguir seus movimentos através do som. Ele explica que fotografou, na verdade, o barulho desse sino, que não aparece nas fotos. Assim, ele estaria fotografando o invisível.<br /><br />Já Hermeto Pascoal revela que quando tinha 30 anos, chegou a querer ser cego temporariamente, para que assim pudesse melhor desenvolver sua percepção musical. O músico diz que a visão não se dá fisicamente, com os olhos. Ao contrário, a visão verdadeira seria a visão interior.<br /><br />A questão da imaginação, uma outra leitura para essa questão da visão interior, exposta por Hermeto Pascoal, também é abordada no filme. A imaginação como alimentador da criação artística. Para o poeta Manoel de Barros, “a transfiguração é a coisa mais importante para o artista”. Manoel de Barros diz isso explicando que o modo como enxerga fisicamente o mundo não influencia seu trabalho. Sendo um poeta que reinventa a língua, ele julga que o entrevistador gostaria de ouvir dele algo diferenciado sobre sua maneira de ver. Mas ele é enfático dizendo que seu trabalho é sobre a palavra. E embora seus poemas pareçam tortos, sua visão não é.<br /><br />Para organizar todas essas e outras idéias que são expostas ao longo de <em>Janela da Alma</em>, João Jardim e Walter Carvalho escolheram uma estrutura fragmentada para o documentário. Uma estrutura que possibilitasse organizar assuntos tratados pelos depoentes, agrupando-os em blocos temáticos. No entanto, o resultado final é muito mais poético e lírico do que essas linhas fazem crer. Isso porque a estrutura escolhida também deu vazão a interpretações metafóricas/imagéticas feitas pelo próprio documentário, não se limitando às discussões apresentadas pelos entrevistados, em sua maioria intelectuais.<br /><br />Para intercalar entrevistas ou mesmo para sublinhar um sentimento ali exposto, a fotografia de Walter Carvalho busca imagens que (re)pensam o ato de ver. Esse é o sentido do primeiro plano do filme, quando saindo da tela preta, surgem imagens desfocadas que ao pouco entendemos ser de uma fogueira sendo alimentada em meio à escuridão. Uma imagem que remete à alegoria da <em>Caverna</em> de Platão, de uma sociedade de pessoas presas na ignorância, na ilusão de um mundo falso.<br /><br />Em seguida, a segunda dessas imagens incorporadas ao filme é um plano em super detalhe da pele de uma mulher. A proximidade da lente é tal que o corpo torna-se quase algo abstrato, sendo reconhecido apenas após alguns segundos. E é interessante notar que sobre essa imagem surge um depoimento que explana sobre anjos mediadores, entidades que fazem a transição entre o mundo real e o mundo espiritual, duas faces de um universo que podem ou não ser encarados como verdadeiros, assim como aquela imagem de um corpo que, ao mesmo tempo, pode não sê-lo, dada sua abstração. Assim como pode ser a construção de uma sensualidade no extremo da intimidade ou, ao contrário, uma desconstrução do sensual no apelo do nu.<br /><br />Este mesmo plano (ou outro semelhante?) irá retornar nos últimos minutos do filme, trazendo a tona uma reflexão sobre o que é realmente o “ver”. É como se os realizadores perguntassem se após todos os depoimentos e recortes feitos a partir do tema central, se aquela mesma imagem permanece com o significado inicial. Como <em>Janela da Alma</em> não se trata de um documentário de tese, a retomada desse plano é um repensar do próprio projeto e dos fins com ele alcançados. É, do mesmo modo, um retomar o início do filme e talvez afirmar que não há uma conclusão intelectual. Em outras palavras, que não há ali a defesa de uma tese.<br /><br />Essa interpretação pode ser reforçada com a seqüência final, seqüência que junto a esses planos anteriormente analisados, podem ser tomados como momentos síntese do documentário. Integrados, podem ser tomados como a seqüência representativa do filme. A última seqüência são cenas de um parto e, embora possam parecer deslocadas do universo imagético até então explorado, a crueza das imagens (é um parto natural sendo filmado sem cortes) e as cenas seguintes, mostram que não. No fim, vê-se o recém-nascido abrindo os olhos e ali temos o primeiro contato visual da criança com o mundo. Novamente o filme vai recolocar as mesmas questões. Com essa imagem, a criança abrindo os olhos pela primeira vez, o documentário está reiniciando toda a discussão, está também mostrando a dor de ver, o quão traumático é para o recém-nascido abrir os olhos. E é esse ver (ou não ver) que norteou toda a discussão de <em>Janela da Alma</em>.<br /><br />As outras imagens utilizadas durante o documentário são, em geral, tentativas de reinterpretar as disfunções do olho, tentativas de aproximar o espectador das elaborações feitas a partir da má visão que são acometidos os entrevistados. São imagens fora de foco ou imagens de paisagens tão desoladas que nada há ali para se contemplar. Essas imagens têm a função de fazer o espectador pensar o que é o belo, de problematizar – junto com os depoimentos – o que é o ver.<br /><br />Se não fosse pelo tema proposto e pela escolhas de seus entrevistados, <em>Janela da Alma</em> talvez fosse um documentário burocrático. No entanto, a carga abstrata com que os depoentes exploram o assunto e as escolhas da montagem o transformaram num filme singular. Isso porque a estrutura de entrevistas fragmentadas em blocos temáticos, unidas a imagens de transição, é um recurso largamente utilizado pelo dito documentário expositivo. Mas não, o modo de representação escolhido é o reflexivo. É possível que João Jardim e Walter Carvalho não tenha tido outra escolha a partir do material que dispunham ao término das filmagens. Eles mesmos informaram que no início da montagem, transcreveram todas as entrevistas e fizeram um roteiro a partir do texto. No entanto, ficaram frustrados com andamento do projeto. Partiram, então, para escolhas mais poéticas, assumindo um material documental aberto e sensível.<br /><br />É mais ou menos o que o poeta Antônio Cícero explica quando problematiza a expressão que dá o título do filme, cunhada pelo pintor renascentista Leonardo da Vinci, “o olho é a janela da alma, o espelho do mundo”. Para Cícero, o problema em questão é que se o olho é a janela da alma, há aí a necessidade de um outro olho para ver essa janela (que também é janela). E assim é necessário mais um olho e assim sucessivamente, até o infinito.<br /><br /><strong>Originalmente escrito para a disciplina de Cinema Documentário da Universidade Federal Fluminense</strong>Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1146503995089989822006-05-01T13:52:00.000-03:002006-05-03T13:12:37.303-03:00Estrela Solitária<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/dont_come_knocking2.0.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/dont_come_knocking2.0.jpg" border="0" /></a><strong>Em busca de um passado</strong><br /><br />O cinema de Wim Wenders está marcado pela idéia do retorno e do tempo perdido. É da volta de seus personagens ao local de uma vida pregressa, que o diretor alemão extrai as idiossincrasias que tomam conta de grande parte de sua filmografia. Há um problema nisso. Um problema comum àqueles que, como Wim Wenders, têm uma carreira extensa por trás das câmeras e dos roteiros. A obsessão por um tema ou por uma forma de filmar, pode acabar esvaziando a obra e seus intuitos. É daí que resulta uma certa má vontade da crítica internacional com os filmes de Wim Wenders pós <em><a href="http://quebra-de-eixo.blogspot.com/2005/07/asas-do-desejo.html">Asas do Desejo</a></em>, sem dúvida o mais importante de sua carreira.<br /><br />Em <em>Estrela Solitária</em>, tudo está lá. Os mesmos personagens em situações bizarras, às vezes extravagantes; a volta do pródigo e desaparecido; a permanente tentativa de localizar o bom (o bem) em meio ao caos urbano, moderno, contemporâneo; as valorações a partir das contradições. Mas há algo em <em>Estrela Solitária</em> que reafirma Wim Wenders, que o faz – mesmo na reinterpretação de seu próprio cinema – digno de elogios há um tempo esquecidos.<br /><br /><em>Estrela Solitária</em> é a retomada da retomada de seu projeto permanente de cinema. Mas essa volta – não só do personagem à sua cidade natal, mas também do próprio diretor a outro grande filme seu, <em>Paris, Texas</em> – transborda em uma poesia. É um poema seco, esse de <em>Estrela Solitária</em>. Seco como as rochas que compõem a geografia do oeste americano e dos filmes de gênero, com seus <em>cowboys</em>, cânions e mocinhas indefesas.<br /><br />E é nessa secura ambientada no meio do deserto que se inicia o filme, a história de Howard Spence, um ator decadente, protagonista de antigos faroestes de sucesso. Mas o primeiro plano de <em>Estrela Solitária</em>, na verdade não é do deserto. Da tela preta surgem dois recortes de céu, como olhos. Depois o filme deixará que entendamos que esses recortes são buracos numa rocha. “Olhos” de pedra que vêem um pedaço de céu, um pedaço de deserto que parece querer algo do inalcançável. Segue-se a fuga do ator, que desaparece do <em>set</em> de filmagens, deixando para trás uma equipe incapaz de prosseguir com a produção do ironicamente intitulado <em>Fantasma do Oeste</em>.<br /><br />Howard Spence tem um passado turbulento. Sua vida de fama o levou não só aos abismos daquele relevo americano, mas a abismos próprios da espécie humana. Howard viu sua carreira chegar ao estrelato e à decadência. Todo um percurso marcado por drogas, promiscuidade e algumas prisões. À procura de um lugar insondável pela produção de seu filme, ele acaba pedindo refúgio à mãe, que não via há pelo menos 30 anos. É aí que se estreitam os filmes <em>Paris, Texas</em> e <em>Estrela Solitária</em>. Dois homens vindos do deserto em busca da família, dois filmes com o mesmo roteirista, Sam Shepard, que nesse último também é o ator que interpreta Howard Spence.<br /><br />Mãe e filho, quase desconhecidos em virtude do tempo e da distância. Mas não é nesse reencontro que <em>Estrela Solitária</em> vai se focar. Sua mãe lhe dá um recado que há 30 anos guardava, sobre uma mulher que a procurou em busca de Howard. O recado, na verdade, o tempo apagou da memória. Mas era sobre uma mulher que teria tido um filho dele e que o procurava para avisá-lo sobre sua paternidade. É aí que o ator vai mais uma vez em procura de seu passado.<br /><br />O passado está numa cidadezinha do interior, onde todos se conhecem e são cumprimentados pelos nomes. A mulher, mãe desse filho recém descoberto, é uma antiga garçonete, hoje dona do estabelecimento onde Howard a conheceu. O filho é um músico que lembra Nick Cave em sua participação em <em>Asas do Desejo</em>.<br /><br />Estrela Solitária irá, assim, tentar investigar a dor de um homem vazio. Que não entende ao certo suas escolhas em revisitar o passado. O certo é que esse ator quer encontrar um alento que não alcançou nesses 30 anos que o afastaram de suas raízes. Talvez esse alento que procura seja mais forte do que a vontade de conhecer o filho ou reatar laços com a mulher que um dia foi um caso fugidio.<br /><br />Em paralelo, o filme acompanha outros dois personagens que de modo semelhante estão em situações de transição. Um é um investigador da companhia de seguros que está responsável por encontrar Howard para que ele retorne às filmagens. A outra é uma garota que está procurando um lugar para depositar as cinzas de sua mãe, morta há pouco tempo. Ela também procura o ator, o que sugere ser um indício de outro fantasma de seu passado.<br /><br />É no encontro de todos eles que as verdades vão se descortinando. Mas as verdades são pouco factuais. Essas verdades estão tão escondidas que para achá-las é preciso romper algumas dores internas, escavar esses abismos que o próprio Howard passou tantos anos imerso. É o caminho para a sabedoria.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1138463675032065452006-01-28T13:42:00.000-02:002006-01-30T11:46:51.546-02:002046<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/2046.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/2046.jpg" border="0" /></a> <strong>A dor do impossível</strong><br /><br />As primeiras impressões sobre o filme <em>2046</em> – <em>Os segredos do amor</em>, de Wong Kar-Wai, costumam ser arrebatadoras. É certo que há um grupo de espectadores, mais afeitos às concatenações lógicas, que o renegam por não encontrar muitas ligações inteligíveis. E é nessa dicotomia entre razão e sensibilidade, que giram as discussões sobre a continuação do aclamado <em>Amor à flor da pele</em>.<br /><br />Parece que todo o não entendimento sobre <em>2046</em> surge quando o público tenta fazer ligações com o filme anterior, lançado no ano de 2000. Não porque exista na sua continuação uma discordância de enredo, mas, sim, estética. Wong Kar-Wai não apenas dá seqüência à história do jornalista Chow Mo-Wan (Tony Leung), mas cria para ele todo um novo universo que não existia em <em>Amor à flor da pele</em>. Enquanto que na primeira história, o escritor mantinha seus encontros fortuitos e sigilosos com Su Li-Zhen (Maggie Cheung), neste ele é um <em>bon vivant</em> de muitas mulheres. Enquanto que em <em>Amor à flor da pele</em> as opções eram por uma câmera tão discreta quanto a impossibilidade daquele amor, em <em>2046</em> as opções são outras. Nesse último filme, Wong Kar-Wai prima por planos que desmascaram esses amores.<br /><br />Há um signo importante a ser analisado, e é o do próprio nome do filme. <em>2046</em> é o nome de um quarto de hotel. No primeiro filme esse quarto era uma ambiente quase inviolável, onde a permanência da câmera era permitida por pouco tempo e onde quase tudo o que ali acontecia, não nos era permitido escrutar. No novo filme, 2046 é um novo quarto de hotel, embora o mesmo na nostalgia do personagem. Nessa continuação, o jornalista Chow acaba preferindo ficar num apartamento vizinho, o 2047, e assim ele melhor compreende o 2046 do presente e o do seu passado. Foi num apartamento de mesmo número onde a sua grande história de amor não se realizou. E é agora, nesse novo apartamento, que ele irá tentar reencontrar um significado para aquilo que perdeu, que de alguma forma não teve ou manteve.<br /><br />Chow é um escritor de histórias baratas. Ele assume isso em <em>Amor à flor da pele</em>, quando reconhece sua incompetência para escrever sobre algo sério, mais digno. De algum modo, esse amor mal resolvido o faz tentar mais uma vez em <em>2046</em>, quando escreve sobre o futuro. Uma ficção científica passada no ano que o número do apartamento prevê. 2046 seria um lugar no tempo em que os sentimentos não se perderiam, onde não haveria dor. Instalado em seu apartamento vizinho, olhando por frestas para a vida amorosa ao lado, ele escreve sobre a impossibilidade da felicidade no presente. Remete-a para um futuro e ao mesmo tempo para o único lugar no tempo onde experimentou algo de pleno, embora efêmero. Para Wong Kar-Wai, <em>2046</em> é o lugar no passado onde deixamos nossa plenitude e é o lugar no futuro onde vislumbramos um dia poder retomá-la. Entendendo isso, o resto é um jogo simples. Não entendendo, o filme é um emaranhado de imagens bem “pintadas”.<br /><br />As relações entre presente e passado estão a todo instante misturadas na fragmentação imagética de <em>2046</em>. Assim como as coincidências dos números de quartos, assim como as mulheres que passam pela vida do jornalista, assim como suas histórias de amores também mal resolvidas e inadaptadas. São histórias trágicas, que servem de alento e inspiração para o jornalista. Uma mulher que é morta pelo ciúme do parceiro, uma outra que espera no inverno um namorado que não virá, uma que todos os dias tenta aprender uma outra língua, a língua do seu amante japonês. Em todas elas, Chow busca a mesma do passado. E em algum momento, dentro do turbilhão de sentimentos que o filme analisa e projeta, há a tese de que o verdadeiro amor deve surgir no momento exato. É o fardo que esse escritor terá que carregar, seja na década de 1960 ou no trem que o leva para as amantes andróides de 2046.<br /><br />E qual é esse exato momento para o amor verdadeiro? Pelo jeito ninguém sabe e por isso é importante o símbolo do trem que parte para esse lugar sem dor, onde há uma permanência das coisas, dos sentimentos. É um futuro aos moldes de <em>Bade Runner</em>, de Ridley Scott (1982), onde embora ninguém creia, há nos andróides a consciência de sua condição máquina. Há neles a consciência da impossibilidade de amar.<br /><br />Estou no grupo que permaneceu arrebatado pelo filme. Mesmo compreendendo alguma verdade nas críticas que acusam Wong Kar-Wai de menor ousadia, mesmo entendendo que ele possa nessa continuação ter explorado algumas fórmulas já testadas por ele. Ao sair da sessão de <em>2046</em> eu percebi que ali havia algo que mudaria para sempre minha forma de ver e sentir o mundo. E isso, na arte, é maior do que tudo.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1134160132756221462005-12-09T18:22:00.000-02:002006-10-16T12:42:35.296-03:00Cinema, Aspirinas e Urubus<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/aspirinas.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center;" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/aspirinas.jpg" border="0" /></a><br /><strong>Perdendo países<br /></strong><br />Se viajar é perder países, como dizia Pessoa, partir é entrar em luto. Deixar as raízes culturais, abandoná-las para só encontrá-las em si mesmo, na memória e na nostalgia. <em>Cinema, Aspirinas e Urubus</em>, longa-metragem de estréia do pernambucano Marcelo Gomes, trata do encontro de dois viajantes: Ranulpho, que deixa o pequeno povoado em que mora no sertão, e Johann, alemão que cruza as estradas de terra do interior pernambucano. Ranulpho quer chegar ao Rio de Janeiro, terra prometida; Johann dirige um caminhão e vende aspirinas nas cidades onde pára.<br /><br />No Sertão de Marcelo Gomes, o Sol e a noite cegam. <em>Mis-en-scène</em> de um Nordeste arcaico, que pouco sabia da Segunda Guerra noticiada pelo rádio. Metáfora do próprio encontro de dois viajantes tão distantes e próximos. Em 1942 Ranulpho desistia do Sertão do mesmo modo que Johann já havia desistido de sua Alemanha nazista. Dois personagens em metamorfose, perdendo pequenos países próprios.<br /><br />O primeiro plano de <em>Cinema, Aspirinas e Urubus</em> é didático e chave para o entendimento da jornada dos dois personagens. Um primeiro plano totalmente branco, extenso, que pouco a pouco vai nos mostrando detalhes de um retrovisor de um veículo e de seu motorista, como se os olhos imersos no escuro do cinema precisassem de tempo para se acostumar à claridade seca daquela região.<br /><br />Um alemão que está perdido pelas estradas esburacadas, que trava contato com sertanejos curiosos por ver um veículo, por ver um estrangeiro: um pequeno recorte da industrialização que começava a se espalhar pelo país de Getúlio Vargas. É aí que se dá o encontro dos dois protagonistas.<br /><br />Inicia-se o<em> road-movie</em> de Marcelo Gomes, mesmo sendo esse um <em>road-movie</em> estranho. Um filme de estrada em que a câmera não acompanha a geografia, mas prefere ficar presa a seus personagens, na sombra da boléia do caminhão e próxima às velas e lamparinas que lutam contra a noite. O Sertão de <em>Aspirinas</em> é tão seco e duro que é pouco visto. É tão arisco, que não é permitido vê-lo em sua totalidade. As imagens surgem sempre esbranquiçadas, quase monocromáticas. Tudo é cor de terra.<br /><br /><em>Cinema, Aspirinas e Urubus</em> surge para romper com um naturalismo-classe-média que reina na dita retomada pós Collor, surge como um paradigma desse cinema contemporâneo brasileiro. Ao lado de <em>Amarelo Manga</em> e <em>Baile Perfumado</em>, ratifica o frescor criativo pernambucano e põe seu nome na História do cinema brasileiro.<br /><br />Mais a fundo, o filme de Marcelo Gomes trata não apenas do luto que é deixar suas raízes, mas da busca de uma nova identidade para aquele que se exila. Por isso é tão importante o encontro do alemão e do sertanejo, porque é no embate com o diferente que vai se delinear o novo ser que nasce. Se a viagem é a perda de países e, do mesmo modo, uma forma subjetiva de morte, o encontro é um renascer modificado, é também um exercício de alteridade. Talvez por isso, os <em>road-movies</em> carreguem consigo o clichê de ser uma metáfora para a transformação ou redenção de seus personagens, de redescoberta.<br /><br />E as redescoberta acontecem para os personagens à medida que vão exibindo seu cinema publicitário aos sertanejos; à medida que estreitam laços de cumplicidade e descobrem no outro um laço de vida e suporte. É um filme em que tudo isso é dito sem muitas palavras, na lentidão do seu tempo diegético e na força física de suas atuações. É dito quando um povo de uma pequena cidade se assombra e se encanta com a primeira projeção cinematográfica de suas vidas (improvisada, ao ar livre). É dito nos muitos silêncios dos personagens.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1132163390894306862005-11-16T15:31:00.000-02:002005-11-18T12:54:04.376-02:00Morro da Conceição<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/conceicao.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/320/conceicao.jpg" border="0" /></a><br /><strong>O tempo do silêncio</strong><br /><br />Eduardo Coutinho é uma referência obrigatória quando o assunto é o documentário contemporâneo brasileiro. Na verdade, Coutinho balizou no Brasil o gênero cinematográfico, com carreira iniciada no seu clássico <em>Cabra Marcado para Morrer</em>, terminado em 1981. Coutinho fez escola e conseguiu abrir, mesmo que parcamente, o mercado brasileiro ao documentário. Mas sua contribuição mais importante está mais na forma sugerida do que no respaldo reconhecido pelo público pagante. E aí há um paradoxo, uma espécie de encruzilhada causada por um modo extremo de se fazer documentários. Nos filmes de Eduardo Coutinho, a intervenção autoral não se esconde. Sem querer reproduzir um discurso ingênuo, da imparcialidade ou da objetividade frente ao foco do estudo, a verdade é que em filmes como <em>Babilônia 2000</em> e <em>Edifício Máster</em>, o autor se apresenta para tentar a maior distância possível do seu tema. Ele não nega a própria presença, ele não nega a presença da câmera, ele não tenta esconder que há nesse ritual de entrevistador-câmera-entrevistado uma conduta padrão, tanto por parte do realizador, como por parte de quem cede sua imagem, sua voz, seu discurso. É uma radicalização da transparência: é dizer ao expectador, “você está assistindo a um documentário, e nele tudo e nada é verídico”.<br /><br />O cinema de “conversas”, como tem sido definido essa escola do documentário, extrai desses discursos, desses depoimentos, o fio condutor da obra. E foram essas as escolhas de Cristiana Grumbach, em seu longa-metragem de estréia, <em>Morro da Conceição</em>. Não por coincidência, Cristiana vem trabalhando com Eduardo Coutinho desde 1999, desde <em>Santo Forte</em>. E embora a obra de Coutinho pontue sua carreira, e reflita-se inevitavelmente neste <em>Morro da Conceição</em>, espertamente Cristiana não o nega, mas soma-o às suas propostas de desvendar o tempo, a finitude. <em>Morro da Conceição</em> recolhe depoimentos de oito dos moradores mais antigos dessa que é uma comunidade incrustada no Centro do Rio de Janeiro. Um morro que nasceu comunidade graças à zona portuária, graças, em grande parte, a portugueses que migraram para o Brasil no fim do século XIX e início do século XX. São desses descendentes que o documentário vai ouvir a história de um Rio de Janeiro que não conhecia a balbúrdia da avenida Presidente Vargas, os altos prédios da Rio Branco ou a violência que assusta os noticiários de TV.<br /><br />O recorte escolhido por Cristiana para <em>Morro da Conceição</em> é o do humano, mais do que o da arquitetura. Embora a localidade, carregada com o peso do tombamento histórico, resvale um valor cultural importante e que não poderia deixar de sê-lo retratado, o documentário prefere revelar pessoas. O morro surge, então, como metáfora para uma discussão maior, morte e vida, finitude, decrepitude. Conceição de fachadas tombadas, mas de interiores modificados. É como seus entrevistados, que são a memória oral de um tempo, mas escondem em si relatos singulares, como é singular cada vida, mesmo com suas intercessões. No filme, os entrevistados vão construindo passo a passo um documento sobre um Rio de Janeiro antigo; um relato sobre a memória familiar; expectativas sobre o que se termina.<br /><br /><em>Morro da Conceição</em> se inicia com o nascer do sol, que ilumina os seus prédios antigos. Terminará no crepúsculo, dando a ilusão de um dia retratado em pouco mais de uma hora; remetendo a um histórico de filmes que buscam em sua narrativa essa idéia de um recorte de um dia qualquer: <em>Berlim, Sinfonia de Uma Metrópole</em>, de Walther Ruttmann; ou o recente <em>Suíte Habana</em>, de Fernando Pérez, entre tantos outros. Recortar uma vida em um dia. Talvez resida nesse intuito uma busca por um lirismo, um estratagema poético. A idéia de que o que for humano é válido de se retratar. Em um dia qualquer, em uma escolha a esmo, é possível encontrar coisas importantes a serem ouvidas/vistas. Intercalando esse “dia”, Cristiana apresenta imagens fixas de ruas do Morro da Conceição. São longas, mais extensas do que os olhos do público são acostumados a ver no cinema. Mas têm um fundamento para tal, porque o filme, dessa forma, pontua o tempo do silêncio.<br /><br />Entre esses “silêncios” estão os depoimentos. Neles, ouvimos Dona Iria, Seu João, Dona Alzira, Dona Maria Amélia, Seu Feijão, Seu Chapéu, Dona Duda e Dona Mida. Seus discursos às vezes são de nostalgia, às vezes de encantamento com o presente; às vezes falam do inevitável deslocamento que o passar dos anos provoca nos mais velhos, às vezes esse deslocamento dá ao expectador uma idéia quase íntima do que é viver uma cidade sendo transformada ao longo de oito ou nove décadas. O respeito com que <em>Morro da Conceição</em> trata seus entrevistados é, talvez, o melhor presente que a platéia pode dele esperar. É um respeito de quem ouve histórias na sala de jantar e quer aprender sobre um passado que já não existe mais. E o passado, sem exceção, é para todos os personagens um certo motor de propulsão, que está ali consolando e amenizando o medo do fim.<br /><br />Em <em>Morro da Conceição</em>, há uma poesia que se esmera entre as entrevistas, que se estampa nas fotografias antigas e se apresenta nas escolhas de uma diretora consciente de seu trabalho. A simplicidade desse documentário parece ser a razão motivadora de uma busca lírica. <em>Morro da Conceição</em> é a prova de que onde há vida, há boas histórias. O problema, o único problema, é imaginar que o cinema documentário deva seguir esse padrão como meta, como único caminho possível. Não é verdade e já há exemplos brasileiros que demonstram que não.<br /><br />Voltando a Eduardo Coutinho, ele próprio condena essa visão generalizada de que seu exemplo é o melhor exemplo. Como se existisse um “Dogma” brasileiro sobre os documentários, que proibisse a narração, a música, ou qualquer intervenção autoral que pudesse ser um caminho para o pecado da manipulação. Há aí uma imensa discussão ética sobre o que é e não é justo de manipular, sobre até onde o rótulo “documentário” suporta as técnicas da ficção, sobre até onde as ferramentas do cinema clássico-narrativo podem ser incorporadas no cinema documental. O certo é que todas essas fronteiras já foram quebradas, no entanto sem conseguir esgotar o princípio da questão. E a cada passo renovam-se as mesmas dúvidas.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1128433545633289452005-10-04T10:37:00.000-03:002005-10-04T10:45:45.646-03:00Eros<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/0502eros_1.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/0502eros_1.jpg" border="0" /></a><br />Eros é um dos mais célebres moradores do Olimpo. Acabou, no entanto, virando pastiche de si mesmo ao longo dos séculos. Eros, entidade que representa a atenção carnal, o desejo irreprimível, deus que permanece em Dionísio. Numa visão superficial, porém não falha da psicanálise, Eros moldou o homem, sua psique. O óbvio é que em um filme que leve como título a alcunha de tal deus, seja o sexo sua linha narrativa. O menos óbvio, porém, são as escolhas que os produtores fizeram para essa representação do sexo contemporâneo, porém ficcional: Michelangelo Antonioni, Steven Soderbergh e Wong Kar-wai. Três cineastas díspares, de três continentes diferentes.<br /><br />O primeiro, um quase mito do cinema: Antonioni. Surpreendente encontrar o que talvez seja a última realização do mestre de Blow-up e Teorema. Surpreendente percebê-lo lúcido em sua atividade de cineasta aos 93 anos. Eros é um filme de episódios, três capítulos, um para cada diretor convidado. Antonioni o abre e discute seu tema favorito, o que norteou toda a sua carreira de cineasta engajado, de cineasta autor, artista: a burguesia e sua decadência moral.<br /><br />Como é de se esperar, Antonioni apresenta uma história recheada de símbolos. Ler um filme desse cineasta italiano deve ser um trabalho a ser feito por camadas. São necessárias várias leituras até se chegar ao cerne, embora muito provavelmente existam outras possíveis, das mais superficiais às mais eruditas.<br /><br />A primeira leitura: um casal de burgueses. Uma relação em crise, que o menor descuido leva o outro à impaciência, a discussões e brigas. Um homem que busca outra mulher para suprir o que o casamento já não lhe oferece — talvez a alegria do desconhecido. Um homem que parece ter mais cuidado com seu automóvel do que a mulher que um dia disse ter amado. Duas belas mulheres. Uma traída e outra motivo da traição; uma que cria cavalos e outra que é incógnita; uma que é presa aos ditames de uma moral em fase de mutação, outra que é liberta de tudo, isolada do mundo.<br /><br />Uma outra leitura: um casal de burgueses. Uma mulher que oferece-se nua a um marido que não mais a enxerga, que está preso numa rotina que lhe desagrada. Uma outra mulher que é motriz de uma traição. Mas traição apenas porque este homem não entende que as duas são a mesma mulher. Uma que anda em todos os lugares com os seios à mostra. Uma outra que veste casaco de couro, quando parece ser verão. Uma mulher que toma banho de sol e outra que mora numa torre, encastelada do mundo, como algo prometido, prestes a ser resgatado. Uma mulher que se locomove no banco do carona; uma outra que dirige um automóvel que não cabe na garagem daquele homem perdido entre o querer e o não querer.<br /><br />Antonioni propõe uma história de metáforas sobre o bem-querer e a culpa. Sintomaticamente, e talvez simploriamente, aponta para a visão de mundo capitalista os desencontros desses amantes. Simplório porque datado; sintomático porque ainda necessária e esquecida tal discussão. Datado em forma, o filme parece ter saído da década de 1970. Entretanto, não menor por isso.<br /><br />O segundo episósio, Equilíbrio, leva a assinatura de Soderbergh. Diretor de obras conceituais como Kafka; de filmes sérios como Traffic; ou de caça-níqueis como Erin Brockovich, Soderbergh virou um queridinho dos estúdios americanos. É um cineasta plural, que tenta carregar duas carreiras distintas, a de realizador de filmes Blockbusters, vide seu último 12 Homens e Outro Segredo e de filmes mais alternativos. Neste Eros, sua participação parece ser uma junção destes dois cineastas.<br /><br />Equilíbrio, de longe é o mais banal dos três episódios. O que não quer dizer que seja ruim, apenas não tão necessário. O problema é que ele soa um tanto deslocado, perdido entre duas boas obras. Um pouco por ter um tom cômico, enquanto os outros são mais sérios, dramáticos até.<br /><br />Soderbergh recorta o tema proposto a partir da visão freudiana, e faz isso descaradamente. As primeiras imagens, carregadas de uma beleza plástica azul e oscilante, é um sonho. O sonho de um homem ansioso com seus negócios, com sua falta de criatividade. Mas um sonho sobre sexo e traição. Esse homem estará, no dia seguinte, no consultório de seu psicanalista para relatá-lo. Essa é a maior parte da história, e o que há de mais cômico.<br /><br />Soderbergh costuma ser didático em seus filmes. Mesmo quando mais ousa, ele o faz a partir de algum rigor no formato de seu experimento. Faz isso para não desagradar, provavelmente para não correr maiores riscos do que já corre, quando se equilibra pelos caminhos do cinema independente americano. Por isso, há três fotografias distintas em Equilíbrio. A primeira azul, a segunda preto e branco e a terceira em tons ocres. É um recurso largamente utilizado no cinema e que ele mesmo já lançou mão em Traffic, para delimitar os vários núcleos narrativos.<br /><br />Enquanto o homem relata seu sonho e nele se aprofunda, seu psicanalista espreita alguém que não chegaremos a saber quem é. Espreita com binóculos e tentar chamar sua atenção com aviões de papel que joga da janela. O homem não percebe pois está imerso na sua tentativa de reconstrução do sonho. Equilíbrio porque no fim não saberemos o que é sonho e o que é realidade. Porque todos os elementos se misturam e se mostram palpáveis. Não há muito mais o que dizer. Quando não são geniais, as comédias parecem ser filmes menores, muito embora não seja sempre o caso.<br /><br />Wong Kar-wai assina o terceiro episódio de Eros. É dele o propalado Amor à Flor da Pele e o esperadíssimo 2046. É dele este A Mão, que conta sobre o amor paciente de um alfaiate por uma prostituta. Dos três, este é o mais dramático, é o que não tem receio de apelar para os choros e as impossibilidades do querer. É o que bate com força no espectador, e não à toa foi escolhido para fechar o filme. Também é o que carrega consigo mais poesia, mais dor.<br /><br />Na ficção de Wong Kar-wai, o amor e o desejo são quase sinônimos de plumas e paetês. A direção de arte é quase um personagem à parte. As roupas, os brilhos, os espelhos, tudo compõem a narrativa. Em A Mão, aliás, os espelhos abarcam grande parte dos planos pontos de vista dos personagens. Isso porque a prostituta é a representação maior da vaidade. E seu alfaiate, a ferramenta para satisfazê-la. Por isso ela nega o sexo. Ela o dar apenas em parte, apenas um pequeno fragmento do que se especializou em vender. Ela o toca para prendê-lo, e isso apenas uma vez. É interessante, no entanto, como Wong Kar-wai vai trabalhar a relação do não casal. Não são amantes; tão pouco são cliente(s) e vendedor(es). É uma relação ao avesso. Uma relação de um alfaiate que não cobra por suas roupas na esperança de conquistar uma prostituta; uma prostitua que nega-lhe o sexo, num misto de culpa pelo amor que o homem sente e na crueldade de mantê-lo presente.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1126109097411984952005-09-07T12:42:00.000-03:002005-09-08T15:16:14.393-03:00Conversando com Mamãe<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/conversando%20com%20mamae.jpg"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/320/conversando%20com%20mamae.jpg" border="0" /></a><strong>Reconstruindo um viver<br /></strong><br />Há algo que norteia e unifica o cinema argentino contemporâneo. Em geral, essa nova safra de filmes tenta identificar a cultura de seu povo, seus problemas financeiros, suas pequenas e grandes mazelas. Em <em>Conversando com Mamãe</em>, de Santiago Carlos Olves, não é diferente. O filme, através de um microcosmo, de uma única relação familiar, pretende radiografar as relações do povo argentino com a periclitante situação financeira exposta ao mundo pelos <em>panelaços</em> de 2001.<br /><br />E essas são as primeiras imagens de <em>Conversando com Mamãe</em>, cenas gravadas em vídeo dos protestos que arrebataram o país e culminaram na fuga do então presidente Fernando de la Rúa. Assim, a primeira escolha de Santiago Carlos Olves é a utilização do vídeo. Não apenas porque é nesse formato que encontram-se as imagens dos protestos, mas porque com a falta de precisão das imagens, com o vídeo trêmulo das reportagens, <em>Conversando com Mamãe</em> agrega um valor histórico e irretocável. Aquela pouca resolução típica de imagens captadas em vídeo diz, “foi isso que nos aconteceu”, e não é preciso explicar mais nada.<br /><br />No âmbito ficcional de <em>Conversando com Mamãe</em>, vê-se a reaproximação do filho Jaime com a mãe octogenária. Jaime é interpretado por Eduardo Blanco, conhecido no Brasil pelo seu papel em <em>O Filho da Noiva</em>, de Juan Jose Campanella. A mãe fica a cargo de China Zorrilla. Mãe e filho se reencontram para reconstruir uma relação, assim como o país que inicia sua reconstrução, em meio à crise; assim como a mãe, que aos 82 anos tenta recomeçar, com um namorado; assim como Jaime, que recomeçará, com um divórcio. Essa vontade de reinício é uma constante nesta crônica da Argentina.<br /><br />Dentre os personagens explorados, o único que parece estar preso a um antigo país e seu modo de vida é a mulher de Jaime, Dorita (Silvina Bosco). Neste ponto o filme demonstra uma visão um tanto maniqueísta, mas serve para ilustrar a dor de uma classe média empobrecida, que agonizava as perdas do <em>status</em> e do padrão de vida. Há um diálogo que explicita bem esse conflito, quando Jaime tentando salvar o casamento se reaproxima da mulher. Ela o explica que sua infelicidade está nessa nova vida que é obrigada a viver. Ela refere-se às privações financeiras, ao fato de ter tido o carro da família vendido, aos projetos de se desfazer de um segundo apartamento e de, provavelmente, precisar se mudar para outro país. Tudo motivado pelo recente desemprego do marido.<br /><br />Vender um apartamento não seria necessariamente um problema, mas o complicador da questão está no fato de que a mãe de Jaime mora de favor no imóvel. Jaime, então, vê-se obrigado a todos os dias visitar a mãe, na tentativa de convencê-la a ir morar com ele para, desse modo, poder se desfazer do bem. É nessa nova rotina que Jaime reencontra a mãe, revive seu passado e redescobre valores que para ele estavam perdidos.<br /><br /><em>Conversando com Mamãe</em> tem a grandeza de apresentar atuações e diálogos coerentes e recheados de vida. Quem mora na distância da família saberá identificar bem esses elementos de conversas que só o tempo e a ausência criam. Por outro lado, o que existe de belo e verdadeiro no texto, perde-se quase que completamente quando o diretor Santiago Carlos Olves ousa cinematograficamente. Na tentativa de fazer uma crônica não só política e familiar, mas poética e lírica, o filme sucumbe a cada <em>flash-back</em>. Porque o resultado é por demais didático e piegas. Deveria ter acredito na força do texto e deixado o preto e branco e o sépia, para outra ocasião.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1124672958407087462005-08-21T21:56:00.000-03:002005-08-22T11:03:29.873-03:00Menina Santa<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/nina-santa-06.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/nina-santa-06.jpg" border="0" /></a><br /><strong>Como num toque de theremin</strong><br /><br />Há em <em>Menina Santa,</em> segundo filme da argentina Lucrecia Martel (de <em>O Pântano</em>), uma contemplação sobre a fronteira entre o lícito e o proibido. Em um filme em que os temas centrais são o corpo e a religiosidade, a câmera busca em duas meninas em início de puberdade, seu foco narrativo. No entanto, parece pouco tentar aprisionar uma obra deste porte em apenas duas palavras: corpo e religião. <em>Menina Santa</em> não se resume apenas a isso, porque a todo o tempo o filme parece fugir do maniqueísmo e das explicações fáceis.<br /><br />No início de <em>Menina Santa</em>, ouvimos uma música sacra. Voz e piano. Uma mulher canta e chora. As lágrimas interrompem de tempos em tempos seu canto. Não sabemos o porquê de seu choro e não iremos descobrir. Podemos, desse modo, apenas lançar hipóteses mal acabadas. É assim que Lucrecia Martel apresenta o início de sua história. Nos pomos nos lugares das duas jovens que cochicham procurando uma explicação para aquilo que acontece. Não é banal. O filme se inicia deixando claro quais sãos as regras. Assim, aos poucos o espectador vai se acostumando a não procurar as respostas na própria película.<br /><br />Amália e Josefina são as garotas que conversam aos cochichos. Ambas exercem com fervor a fé praticada nas aulas de catequese. Ambas estão a um passo da descoberta de suas sexualidades. Amália mora com a mãe em um hotel antigo e barato. Divide com ela a mesma cama e está acostumada com a pouca privacidade e com o pouco espaço.<br /><br />Um hotel é um lugar fadado ao efêmero. Tentar transformar esse ambiente de eterna mutação em um lar, é assumir para si relações sociais passageiras e inconstantes. É crer no que não há tempo de se consolidar. É viver acostumado ao entra e sai das faxineiras e aos olhares curiosos dos clientes. Lucrecia Martel escolhe esse ambiente para contar sua história.<br /><br />Em paralelo, <em>Menina Santa</em> desenvolve a passagem do médico Jano, um psiquiatra que está hospedado ali para participar de um congresso científico. Os dois terão seus caminhos cruzados quando ambos dirigem-se a uma pequena concentração, onde um músico entoa Debussy através de um theremin.<br /><br />Theremin é um instrumento estranho. Apontado como o primeiro dos eletrônicos, foi criado por volta de 1919 pelo russo Leon Theremin. O Theremin emite notas sem que o músico o toque. É um instrumento não tátil. Suas notas são produzidas a partir de modificações no campo eletromagnético que o aparelho musical gera. E o músico faz suas melodias com as mãos no ar. Esse theremin irá, a partir daí, permear e pontuar a narrativa do filme.<br /><br />É ouvindo a apresentação desse músico que Amália percebe a aproximação do psiquiatra. Ele se aproveita da aglomeração para encostar seu sexo na garota. Cria-se em Amália um misto de paixão e compaixão.<br /><br />A inclusão do theremin surge como metáfora. O instrumento está ali para lembrar, para sublinhar sobre o toque, o tato. Para acrescentar à narrativa algo sobre a proibição daquele contato entre o homem e a menina. O som que um theremin entoa tem algo de etéreo, nada parecido com a brutalidade da atitude daquele médico. O theremin surge para falar da contradição do amor que Amália irá sentir, seja um amor sacro ou profano. Lícito pela vontade de redenção cristã-católica que Amália quer impor ao homem; ilícito pelo óbvio desejo sexual da descoberta.<br /><br /><em>Menina Santa </em>falará sobre o não toque e sobre a descoberta; sobre a ingenuidade das meninas e sobre a perversidade dos adultos. Irá explorar sempre dois eixos de discussão, sempre sem separá-los. A dualidade de <em>Menina Santa </em>permeia não só o seu discurso, mas transborda para sua própria estratégia narrativa.<br /><br />Logo no início, quando a menina está deitada na cama com a mãe, há um facho de luz do sol que corta o leito. Enquanto que o quarto permanece numa certa penumbra, aquela luz marca com força a presença do dia. É o mesmo sendo dito de outra forma, misturado na <em>mis-en-scène</em>, na ação. Além disso, o sol penetra naquele quarto através de uma fresta. As frestas, por conseqüência, também serão comuns e necessárias ao longo da película. Lucrecia Martel é responsável por uma câmera precisa. A decupagem (modo de enquadrar e mover a câmera) é feita com extremo rigor, porque o olhar da câmera está sempre em busca do que é privado e proibido. Daí a presença das frestas, dos espelhos que refletem ao acaso, das mesas que ocultam o que por baixo acontece. A câmera de Martel parece sempre estar presente ao acaso, parece sempre descortinar o que é privado sem intenção de fazê-lo. Da mesma forma que os sons do filme não se restringem aos seus ambientes.<br /><br />Nas aulas de catequese, Josefina e Amália estudam a vocação. Amália, compenetrada em descobrir sua missão, acredita que está no médico o seu destino. Toma para si o dever de mudar aquele homem, de salvá-lo. Amália entende que poderá salvá-lo através de seu amor, mais uma vez um conceito que está imbuído de duplicidades e poucas respostas. Outros focos de discussão vão sendo levantados em cada personagem que o filme acompanha. Josefina mantém um relacionamento de descobertas sexuais com um parente próximo. Pode-se entendê-lo como um irmão ou um primo. O roteiro não deixa claro, como se quisesse fazer-nos trabalhar várias questões morais ao mesmo tempo, porque uma coisa é uma jovem e o sexo precoce, outra é o incesto. Para Josefina, no entanto, há pouco (ou nada) de anormal naquele ato. Assim como Amália não vê nada de estranho no seu amor platônico pelo homem, embora façam segredo de seus atos.<br /><br /><em>Menina Santa </em>vai apresentando cada uma dessas (des)vias morais. Pouco a pouco vai construindo e descontruindo os conceitos. De tal forma que nas seqüências finais, sem perceber, há uma completa empatia do público com o que começa a se descortinar. A mãe Helena, o médico Jano, as garotas Amália e Josefina: intrincados todos numa história de amor, de não toque, de proibições e culpas. No fim, entretanto, sobra-nos as duas meninas que, de tão santas, parecem não perceber os rumos que tudo tomou. Elas estão felizes e livres.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1124196808641727792005-08-16T09:50:00.000-03:002005-08-16T13:49:29.666-03:00Casa Vazia<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/3iron_4.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/3iron_4.jpg" border="0" /></a> <strong>A leveza do silêncio de Kim Ki-duk</strong><br /><br /><em>Casa Vazia</em>, pessoas vazias. Esta é a metáfora que norteia e inicia o último filme de Kim Ki-duk, cineasta sul-coreano que ficou conhecido por aqui com o anterior <em>Primavera, verão, outono, inverno... primavera</em> . Em <em>Casa Vazia</em>, um homem procura em residências de donos ausentes, um lar ou um cotidiano que, parece, não possui. Escolhe casas ao acaso, apenas com a certeza da ausência de seus moradores. Passa dias nelas. Não as rouba. Parece retirar delas apenas o sentimento de lar. É um lar uma casa sem pessoas? Ao menos ele retira delas os ecos de uma vida alheia. Fotografa-se ao lado de velhas fotos de família; lava as roupas sujas dos moradores em férias; conserta objetos quebrados, numa obsessão que remete a uma troca, como uma espécie de pagamento pelos dias de uma falsa vida que ganha ali.<br /><br />À primeira vista pode lembrar o politizado <em>Edukators</em>, do alemão Hans Weingartner, mas as semelhanças terminam na primeira impressão. Enquanto <em>Edukators</em> invadia residências para propor um discurso revolucionário, <em>Casa Vazia</em> as invade propondo autodescobrimento. Pode até parecer um filme resposta, porque em <em>Edukators</em> os personagens entravam nas mansões como ato de protesto, em uma espécie de terrorismo psicológico. <em>Casa Vazia</em> também fala das ilusões do mundo contemporâneo, mas o faz sem estardalhaço, sem utilizar-se de manifestos. Além disso, o filme de Kim Ki-duk quer discutir o privado. E o faz com rigor.<br /><br />Um dia, um erro. Numa das casas, há uma mulher que chora um mau casamento. O erro torna-se um encontro silencioso, uma fuga para ela e uma redenção para ele. Constrói-se aos poucos um relacionamento sem diálogos. A ilusão está na fala, é o que o filme nos diz. A verdade transparece, vai além. A mulher chora a surra que levou do marido, do homem que não mais ama. Cala-se e fecha-se a ele na impossibilidade de enganar(-se). Foge da violência e dos gritos do marido. Segue o homem em suas casas vazias. Ajuda-o a encontrar as residências fechadas, conserta os aparelhos quebrados, lava as roupas, cozinha. Toma para si a mesma busca do homem que entrou em sua casa e o faz ao seu lado. O ama.<br /><br />Em cada casa que o homem misterioso entra, é possível reconstruir fragmentos da vida que habita ali. Kim Ki-duk faz com maestria uma narrativa silenciosa. Desvenda a história como esse protagonista desvenda as casas em que entra. Fragmentos de vidas expõem-se através de fotografias, vídeos cassetes, roupas, quadros e livros. Ao mesmo tempo, parece que a <em>mis-en-scène</em> que Kim Ki-duk escolhe para o filme é uma auto-referência às próprias descobertas do protagonista: primeiro o silêncio, depois a leveza e a invisibilidade.<br /><br />Degrau a degrau, esse homem que nada sabemos vai se tornando menos e menos perceptível à medida que o filme transcorre. Torna-se cada vez mais invisível, até parecer um fantasma, uma mera sensação aos moradores das casas que já visitou. Faz isso pelo amor que encontrou naquela mulher.<br /><br />Se no início ele era furtivo, no fim se torna ausente. Se no início o personagem era uma metáfora para o esvaziamento das pessoas, no fim sua permanente ausência torna-se uma metáfora para a entrega. O filme se subverte. Alcança no extremo de seu conceito uma dimensão paralela para seu discurso, como a ponta do compasso que passa pelo ângulo zero e 360. São os mesmos e diferentes. Anular-se por amor. Entregar-se no amar.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1122725083381474752005-07-30T08:41:00.000-03:002005-08-02T11:45:10.690-03:00Idade da Terra<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/idade%20da%20terra4.jpg"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/200/idade%20da%20terra1.jpg" border="0" /></a> Era muito caro a Glauber Rocha, ícone maior do Cinema Novo, a quebra dos paradigmas. Glauber era um inconformado e um revolucionário incurável que via na estética do cinema então vigente uma plataforma para a dominação cultural, para o controle dos povos do terceiro mundo e para a perpetuação de uma economia capitalista, burguesa. Talvez com exceção apenas de seu primeiro filme, O Pátio, curta metragem de 1959, Glauber sempre fez política através das imagens em movimento.<br /><br />Radical em princípios ideológicos/éticos e na forma de captar imagens, Glauber Rocha, filme a filme, vai galgando experimentações e amadurecendo seu intuito frente ao fazer cinema. Embora seja em <em>Deus e o Diabo na Terra do Sol</em> (1964) que o cineasta alcança seu maior reconhecimento, é em <em>Idade da Terra</em> (1980), seu derradeiro filme, onde reside seu último grau de aperfeiçoamento. Esse julgamento, é bom deixar claro, leva em consideração o que o próprio Glauber esperava de seu cinema, um fazer anárquico não preso a preceitos narrativos.<br /><br />E <em>Idade da Terra</em> é uma experimentação não narrativa, assim como ele queria seu cinema revolucionário, com a cara e a poeira do terceiro mundo. <em>Idade da Terra</em> é prosa poética, é um acúmulo de discursos e imagens que juntos tendem a traçar uma radiografia imprecisa dos arroubos socialistas no Brasil pós-anistia. <em>Idade da Terra</em> é uma proposta onírica, neo-surrealista (neo-sul-realista), utilizando palavras do próprio Glauber para conceituar seu cinema, ou seu intuito de cinema.<br /><br />Em seu último filme, Glauber chega ao ápice de uma proposta que já vinha desenvolvendo desde 1971, quando escreve o manifesto <em>Estética do Sonho</em>. Manifesto que surge em contraposição ao anterior <em>Estética da Fome</em>, de 1965. O primeiro fala da fome como caminho para a revolução, porque a fome gera a violência necessária para a libertação do colonizado, para a libertação do sentimento de colonizado; já o segundo critica essa visão, pois seria o povo “o mito da burguesia”, um retrato pintado pelo dominador, já que a idéia que o povo teria de si próprio seria uma idéia projetada pela burguesia e aceita pelo proletariado. Em <em>Estética do Sonho</em>, Glauber vai afirmar que a verdadeira libertação está na “desrazão”, porque é só na quebra dos paradigmas do próprio pensar que se pode ser independente, porque é apenas no sonho que somos livres. Fome e sonho, política e poesia. Esses serão os nortes em que Glauber irá basear toda a sua obra. Em um primeiro momento achando que a política é o discurso; em um segundo momento achando que a poesia é o que deve sê-lo. No entanto, os dois sempre imbuídos e difusos, nunca totalmente separados.<br /><br />A última obra de Glauber Rocha é a radicalização do que ele propunha no manifesto de 1971, a ponto de propor que os rolos que compõe o filme a ser projetado não tivessem uma ordem específica. Ficaria a cargo do acaso e do projecionista essa escolha, embora esse querer não tenha sido aceito pela Embrafilme. Talvez por isso, <em>Idade da Terra</em> não tenha créditos, nem iniciais nem finais. Não há sequer o nome do filme impresso sobre a película.<br /><br />Inicia-se com um plano extremamente longo, em que vê-se um nascer do sol em Brasília. O filme espera todo esse instante do alvorecer, obrigando o espectador a se dar conta de cada detalhe de algo que em seu cotidiano é tão fugaz. É a primeira dica do filme que virá, que já no seu primeiro plano nos diz que sua “narrativa” não é algo usual; que fará com que o público veja um outro cinema, diferente do vigente, diferente da linguagem que é até hoje largamente aceita e comercializada.<br /><br />A partir daí <em>Idade da Terra</em> irá trabalhar sobre quatro focos, cada um deles tentando sintetizar e desconstruir personagens emblemáticos ao Brasil da época: o índio (Jece Valadão), o negro (Antônio Pitanga), o militar (Tarcísio Meira) e o guerrilheiro (Geraldo del Rey). Além deles, há as mulheres sempre presentes, que ouvem seus discursos ou que clamam pela morte de outro importante personagem do filme, o imperialista Brahms (Maurício do Valle).<br /><br />A impressão é que Glauber filma tudo à esmo, sem ensaio. A câmera tem a imprecisão comum às imagens de documentário, com seus zooms trêmulos e seu foco mal acabado. Constantemente ouvimos a voz de Glauber dando marcações para os atores ou pedindo para falarem mais alto, sempre pedindo: “mais alto!”. No onírico de <em>Idade da Terra</em> os personagens gritam seus desejos e seus discursos. Fazendo um paralelo, é interessante notar que em <em>Deus</em> <em>e o Diabo na Terra do Sol</em>, a maior parte do filme é sussurrada. Glauber também faz trechos discursados em <em>off</em>, seja para falar do Brasil pobre, do terceiro mundo e suas contradições, seja para dar impressões sobre o filme que gostaria de ter feito quando soube da morte do cineasta/poeta Pasolini. Glauber diz que queria filmar sobre o Cristo, mas um cristo venerado no momento da ressurreição e não o do calvário, tão apregoado pelas igrejas. Porque Glauber queria tratar da revolução como libertação, como a boa nova para o povo com sua fome crônica.<br /><br />O messianismo, sempre presente na obra do cineasta, também aparece em <em>Idade da Terra</em>. Todos os quatro personagens, o negro, o militar, o índio e o guerrilheiro, estão no filme imbuídos de um discurso profético, às vezes redentor, às vezes apocalíptico. Há um momento em que o personagem de Antônio Pitanga, o mais místico deles, surge curando um cego, fazendo a multiplicação da comida e, numa ironia glauberiana, sanando a sede do povo com a multiplicação da pepsi-cola. É o mesmo personagem que irá aparecer completamente nu pedindo o amor de uma mulher, numa simbologia que o remete à reintegração da natureza.<br /><br />A parte apocalíptica fica para o personagem de Tarcísio Meira que, às margens da Baía de Guanabara, fala de uma bomba atômica que irá destruir a todos; fala em outras palavras de algo que está para acontecer e se ressente com sua impotência. E xinga e xinga e xinga: “isso aqui é a cloaca do universo”, e a câmera corre a focar o lixo que se acumula à beira das pedras.<br /><br /><em>Idade da Terra</em> seria atonal, se fosse uma sinfonia. São muitos os discursos que se interpõem além do o que trata da libertação e da revolução. Como quando a montagem assume no meio de seu discurso fílmico um acidente de trabalho e mostra o ator Maurício do Valle se lamentando de dor por causa de uma topada; como quando assume os olhares do povo que anda na rua e não está ciente do que está sendo filmado e volta seus olhos para a câmera (olhares que denunciam o falso da ficção e, por isso mesmo, falam sobre o real do documental); como quando se assumem repetições do que é dito (há muitas falas repetidas à exaustão); como quando Jece Valadão invade uma procissão para gritar seu texto no meio dos religiosos; como quando vê-se o personagem guerrilheiro sendo untado de sangue falso para a cena seguinte.<br /><br />Assistir <em>Idade da Terra</em> e tentar costurar com precisão a relação de todos esses fragmentos de falas, <em>offs</em>, discursos e poesias é uma tarefa árdua. Melhor é apreciar com os olhos abertos para as imagens, mas como se fechados ao dormir. Tentar usar a “desrazão”, libertar-se das regras petrificados pelo cinema narrativo. <em>Idade da Terra</em> é um dos filmes mais viscerais do cinema brasileiro e deve ser visto com a mesma visceralidade. É preciso comer as imagens.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1122409624772364662005-07-26T17:17:00.000-03:002005-07-27T09:39:58.776-03:00A Vida Marinha de Steve Zissou<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/vida%20marinha.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/vida%20marinha.jpg" border="0" /></a><br />Wes Anderson é um diretor inventivo. Ele não está criando a roda, mas a exemplo de outros como Jim Jarmush (<em>Sobre Café e Cigarros</em>), Paul Thomas Anderson (<em>Magnólia</em>) e Charlie Kaufman (roteirista de <em>Quero Ser John Malkovich</em>), ele vem traçando um caminho distante do que o público americano está acostumado a assistir, mesmo dentro do dito cinema independente.<br /><br />Wes Anderson não inventou a roda nesse <em>A Vida Marinha de Steve Zisso</em>u ou no seu anterior <em>Os Excêntricos Tenenbaums</em>, mas criou um jeito particular de contar histórias. Assim como é possível reconhecer de olhos fechados as estratégias narrativas do brasileiro Jorge Furtado (<em>O Homem que Copiava</em>), é possível em poucos minutos de projeção reconhecer o que há de Wes Anderson num filme. Poderia se dizer o mesmo dos outros citados aí em cima, cada qual com seu estilo próprio, cada qual parecendo carregar um frescor que faz falta no cinemão de pipoca e shopping center.<br /><br />Esse jeito particular que Wes Anderson filma nos dá a entender que captar imagens em movimento é uma brincadeira de criança; que toda sua <em>mis-en-scéne</em> é coerente porque ela é exatamente isso e nada mais que uma brincadeira de contar histórias. É como entrar no teatro e aceitar o lúdico, é como assistir Fellini e saber que ele está falando de sonhos e picadeiros. É esse lúdico que no <em>A Vida Marinha</em> permite um Seu Jorge cantando versões em português de David Bowie, acompanhado apenas pelo seu violão.<br /><br /><em>A Vida Marinha de Steve Zissou</em> é a história de um homem que quer fechar sua carreira de documentarista náutico com um grande filme e ser perdoado pela crítica e público que o renegaram. Steve Zissou manteve uma certa fama nos primeiros anos de carreira, mas aos poucos foi caindo no esquecimento e seus empreendimentos passaram a dar prejuízos. Steve Zissou é um Jacque Cousteau sem espírito científico. Toda sua equipe é, como o próprio protagonista explica, uma farsa. É uma reunião de amigos que pouco sabiam sobre biologia marinha ou oceanografia. O cérebro atrás da equipe Zissou é a mulher de Steve, que além de lembrar-lhe os nomes das espécies em latim, sabe planejar estratégias e os investimentos.<br /><br />Steve Zissou é interpretado por Bill Murray, que empresta ao personagem aquela feição característica de impassível tédio. Um tédio de <em>blasé</em>, como diria Adriana Calcanhoto em <em>Água Perrier</em>, porque Zissou é um egocêntrico que não se dá conta do seu egoísmo. É um personagem profundamente entristecido com a derrocada de sua carreira e que tem como meta apenas o seu filme.<br /><br /><em>A Vida Marinha</em> começa com cenas da primeira parte do filme que Steve Zissou está rodando. O formato é de um documentário burocrático e mal produzido, mas que tem um apelo dramático incontestável. Numa das expedições da equipe, uma espécie rara de tubarão devora um membro da equipe. A primeira parte acaba aí. A projeção é feita para convidados, numa tentativa de levantar fundos para o resto do projeto. E o projeto de Zissou é encontrar o tubarão e matá-lo, dinamitá-lo, como sugere, frente ao tamanho colossal da criatura.<br /><br />É estranho que nos créditos finais Wes Anderson dedique o filme a Jacque Cousteau, mas esqueça de Herman Melville e seu romance <em>Moby Dick</em>, que narra a odisséia de um homem que cruza os oceanos em busca da baleia branca e tudo perde na tentativa de matá-la. Se Wes Anderson esquece Melville, de Cousteau ele não poupa referências, seja através do gorro vermelho característico ou pelo modo de apresentar algumas imagens submarinas.<br /><br />Steve Zissou consegue a verba com a promessa de não matar o tubarão. Exigência de alguma sociedade protetora de animais. Antes de embarcar descobre um filho de um antigo relacionamento e o integra à equipe. É esse filho que irá dar a Steve elementos para seu encontro consigo, seu autoconhecimento. É outra estratégia narrativa de Melville e de tantos outros contadores de histórias, da literatura e do cinema: a viagem como uma ferramenta para a busca de si. A medida que a viagem prossegue, mais e mais o personagem de Bill Murray vai se dando conta de quem é, de seus erros e de seu egoísmo.<br /><br /><em>A Vida Marinha</em> trata dessas buscas que fazemos, dos sonhos particulares que ninguém tem acesso. É por isso que na primeira parte do documentário não vemos o tubarão. Chegamos mesmo a duvidar de sua existência. Alguém pergunta ao diretor-comandante se aquilo não é uma jogada de marketing. E chegamos a crer que sim. Talvez por isso, todo o mundo marinho seja nos apresentado de forma lúdica. Porque se a paixão do explorador é o oceano, ele deve nos aparecer como uma brincadeira.<br /><br />Essa relação do sonho com a infância é a todo momento pontuada pelo filme. Os que crêem cegamente em Seteve são crianças; os peixes que ele tanto gosta têm cores que só o onírico poderia criar; seu barco nos é apresentado como numa maquete ou uma casa de bonecas. A aproximação com seu filho, que ele nega-se a aceitar como tal, é o que faz perceber isso. Embora o filho encontrado seja um adulto, há nele uma carência infantil pelo pai. No fim da busca, quando Steve encontra ao tubarão e a si mesmo, ele entende seu medo da solidão e questiona-se se a criatura lembraria dele. Provavelmente não. Ao contrário da Moby Dick, o tubarão de Wes Anderson seguiu sua rota de migração sem dar maiores atenções às pequenas vaidades humanas. Steve Zissou entende o vazio de sua busca, de sua vida.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1122408802385360162005-07-26T17:03:00.000-03:002005-07-26T17:15:20.390-03:00Motion Pictures<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/motion.jpg"><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/motion.jpg" border="0" /></a><br /><strong>Intimidade: por Andy Warhol</strong><br /><br />Doze telas em movimento. Retratos filmados de personalidades e de anônimos que Andy Warhol pretendia famosos. Tratam-se de alguns dos conhecidos experimentos que o homem da <em>Pop Art</em> fez entre os anos de 1963 e 1968, quando conduziu a <em>Silver Factory</em>, ateliê de onde surgiram rótulos de sopas, retratos em polaroids, retratos em serigrafia, banda de rock e até um Basquiat.<br /><br />Andy Warhol, fascinado pela imagem e pelo mito, se dedicou à arte em série. Desconstruía os símbolos para criar novos, inventou a eternização do <em>kitsch</em>. <em>Motion Pictures</em>, exposição que passou pelo Rio de Janeiro e seguiu para São Paulo, é um reflexo dessas tentativas de construção e desconstrução imagéticas.<br /><br />Com suas pinturas filmadas, Andy Warhol também parece perguntar sobre o futuro do cinema; especular caminhos não explorados até então. Mas filmes de pessoas que nada fazem ou pouco fazem não são propriamente filmes, desde que excetuemos o suporte em que foi captado, a película. Andy Warhol filmava não filmes e fazia, assim, não quadros, já que os quadros propriamente não se mexem, desde que excetuemos as experiências de Soto e suas telas recheadas daquelas ilusões que nos deixam tontos. Talvez esteja aí a importância dessas obras, essa discussão iniciada pelo movimento Dadaísta, sobre o que é e o que não é arte, quadro, pintura, literatura, música... Não há respostas satisfatórias desde que Duchamp inventou de colocar aquele urinol em um museu.<br /><br />Andy Warhol filmou muita coisa. Desde retratos de 5 minutos, cada, ao Empire States por cerca de 8 horas ininterruptas; um homem comendo cogumelos por cerca de uma hora e outro dormindo suas 7 horas. Filmou também um ator recebendo uma felação, mas teve o pudor de deixar a câmera em close, no seu rosto. Filmou beijos de hetero e homossexuais e uma partida de xadrez, embora esse filme do jogo não faça parte da mostra que chegou ao Brasil através do Museu de Arte Moderna de Nova Yorque, o MoMA.<br /><br /><em>Motion Pictures</em>, no entanto, é formado apenas por trechos restaurados desses filmes. Vieram em formato de vídeo e são projetados nas paredes dos museus com molduras pretas de grandes dimensões.<br /><br />É interessante a intimidade que Andy Warhol alcança com seus retratos. Uma leve câmera lenta ajuda na melancolia e os retratados devem ter tido uma boa direção para deixar seus olhares distantes, seus movimentos enfadados.<br /><br />Um homem mastiga cogumelos e se balança numa cadeira de balançar. A luz chega de fora, por uma janela que não vemos, e é para lá que ele olha, para onde não podemos enxergar. Qualquer interpretação é possível, qualquer não interpretação, também. E nesse balançar e comer, podemos sentir o tédio de uma vida inteira ou uma tristeza sem nome.<br /><br />Nos retratos de menor duração, os ditos <em>Screen Tests</em>, há a mesma estratégia “narrativa”. Pessoas olham o vazio ou a câmera. Pouco fazem. Uma tenta comer cabelo, mas os demais, nada, ou sorriem até envergonhados frente à câmera 16mm. Salvador Dali, o mais célebre dos retratados dessa mostra, aparece de cabeça para baixo. Uma alusão óbvia e até ingênua da sua obra surrealista.<br /><br />A tela intitulada <em>Blow job</em> mostra um homem também sentado, reencostado a uma parede. Alguém o faz um boquete, daí o título original. Só vemos o seu rosto que, entre espasmos de prazer, acende um cigarro ou olha para a câmera, para nós espectadores de uma cena real. Olha com lasciva, embora não cheguemos a crer no seu prazer, talvez por ser cru demais, talvez por ser um prazer mudo, talvez por estarmos surdos frente à tela.<br /><br />São telas sem som, quadros que se mexem em branco e preto, mas não emitem barulho. Talvez o <em>Velvet Underground</em>, junto com Nico, fosse a trilha sonora que Andy Warhol procurava para seus quadros. Talvez por isso tenha construído a carreira da banda. Talvez...Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1122407780070587652005-07-26T16:47:00.000-03:002005-07-27T13:36:22.666-03:00Casa de Areia<strong>Cem anos de areia</strong><br /><br /><a href="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/1600/casadeareia1.jpg"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/200/casadeareia1.jpg" border="0" /></a>O plano é longo, evasivo. Um plano geral que espera desbravadores de um deserto atravessá-lo de ponta a ponta. Um pequeno grupo de pessoas, carregando mantimentos e animais, lutando contra o cansaço da caminhada, contra o sol e a areia que a tudo dificulta. A saga começa em 1910, nos Lençóis Maranhenses, e será lá que terminará, décadas depois, num círculo sem saída. <em>Casa de Areia</em>, quarto filme de Andrucha Waddington, é uma alegoria da solidão e da ilusão humana, mesmo que para tal vá tão longe para contar sua história.<br /><br />No momento seguinte estão Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha (em vida e em enredo), exaustas, mas ainda caminhando contra a areia e o sol. Daquela primeira monotonia, de espaços largos e vasto, partiu-se para um close, que agora começa a detalhar pela contradição os personagens de tal desventura. Lembra a chegada dos Buendia na terra prometida de Macondo, em <em>Cem Anos de Solidão</em>, do nobel Gabriel Garcia Marquez. A referência é tão clara que Fernanda Montenegro e Fernanda Torres se alternarão nos papéis durante o restante do filme. A medida que a filha envelhece, a personagem é assumida pela Fernanda Montenegro e a neta pela Fernanda Torres. As trocas de papéis acompanharão a fita durante as gerações em que a lente focará a história. Em <em>Cem Anos de Solidão</em>, recurso semelhante é utilizado quando Gabo mistura os nomes dos filhos e dos netos e, com isso, alcança uma sensação de repetição no círculo de nascimentos e mortes da família.<br /><br />Neste primeiro momento do filme, Fernanda Torres está a cargo do papel da filha prometida e casada com um homem mais velho. O marido é interpretado surpreendentemente por Ruy Guerra, diretor de filmes como <em>Os Fuzis </em>e <em>Estorvo</em>. É um homem de algumas posses, que viu nos Lençóis a cobiça de uma vida melhor, o sonho feudal de terras, a descendência patriarcal. Ainda estamos nos primeiros minutos de <em>Casa de Areia</em> e tudo isso já foi entredito, exposto entre os fotogramas. Todas as referências sociais do personagem são apenas intuídas, assim como grande parte das informações contidas no longa-metragem. O filme ainda tem participação de Seu Jorge - o músico que deu o ponta-pé no grupo <em>Farofa Carioca </em>e interpretou Mané Galinha em <em>Cidade de Deus </em>- e Luiz Melodia, aquele da famosa <em>Magrelinha</em>.<br /><br />Sobre uma duna dos Lençóis Maranhenses, uma casa é construída pelos empregados para abrigar a família no meio do nada, mesmo sob a relutância da esposa, que preferiria ir embora. Mesmo ao saber da gravidez da mulher, o patriarca não cede. Quer que o filho nasça ali, profetiza-o homem e espera o dia em que o primogênito terá forças para ajudá-lo na lida do dia-a-dia. Mas o marido morre e o filho nasce mulher. Com a morte, os empregados fogem, roubam mãe e filha e deixam-nas para trás.<br /><br />A distância, a gravidez, depois a filha muito nova, a mãe velha e o quase total isolamento impedem que elas partam. Ao longo das décadas seguintes haverá sempre uma vontade visceral de partir do nada para algum lugar. No entanto, sempre permanecerá essa impossibilidade. Mas a vontade em alguns casos se apazigua, acomoda-se, e a viúva que tanto lutou para fugir se vê velha e desistente. E no retorno do círculo, é a neta, a filha do explorador Vasco, que toma para si a perspectiva de viver longe dali.<br /><br />Em <em>Casa de Areia</em>, os meses e os anos correm sem serem vistos ou anunciados. Não há festas para celebrar qualquer data, qualquer aniversário ou novo ano. Há apenas uma aparente mas bem solucionada confusão na troca de papéis que demarcam o avanço dos anos, marcada por elipses precisas, como a que mostra num salto de mais de duas décadas, aviões partindo para a Segunda Grande Guerra.<br /><br />O som, que pouco ecoa além do vento que sopra a areia, também é um personagem importante na história. Laborioso foi o feito de construir o som em <em>Casa de Areia</em>, mostrar as nuances de cada uivo e o silêncio como parte integrante dessas solidões. Logo no início do filme, vê-se uma fotografia em que a primeira personagem de Fernanda Torres está sentada ao lado de um piano. O cuidado com que trata a foto nos diz muito sobre a falta da música em sua vida, sobre os acordes que não mais ouvirá. O silêncio cria mais um dado para a compreensão da personagem, fazendo um arco dramático para o fim do filme, que nego-me a escrever, não pela convenção que dita não entregar os desfechos, mas, sim, por tratar-se de um momento de rara poesia.<br /><br />A alegoria de <em>Casa de Areia</em> é procurar no areal dos Lençóis uma metáfora para as buscas do homem. Uma busca existencial, que tanto está refletida/projetada em avanços científicos como na arte; tanto no chope da esquina quanto nas salas das universidades. <em>Casa de Areia </em>trata da ilusão e da finitude do ser; trata da solidão urbana, mesmo sem pisar numa avenida de concreto. E para não citar mais uma vez o eterno retorno de Nietzsche, melhor lembrar de <em>Antes da Chuva</em>, de Milcho Manchevski, que diz, “o tempo não espera, porque o círculo não é redondo”.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1122407205536067142005-07-26T16:43:00.000-03:002005-10-26T12:37:05.556-02:00A Montanha dos Sete Abutres<strong>Com as asas dos urubus</strong><br /><br /><em>A Montanha dos Sete Abutres</em> é um filme de 1951 que ainda mantém uma atualidade gritante. Ok, é um filme feito há mais de cinco décadas, rodado em preto e branco e protagonizado por Kirk Douglas – na época em que ele ainda fazia papel de mocinho. Ou seja, essa fita de Billy Wilder carrega um estilo imagético já superado pela indústria cinematográfica. Mas o seu discurso não envelheceu em nada, sobretudo quando lembramos que vivemos em tempos de George W. Bush. O filme trata de um assunto exaustivamente discutido nas universidades de comunicação, a credibilidade e imparcialidade jornalística.<br /><br />Em <em>A Montanha dos Sete Abutres</em>, Kirk Douglas vive o jornalista Charles Tatum, que saiu desempregado dos grandes centros por causa de sua conduta pouco ética. E ele só consegue emprego em um pequeno jornal de uma província do Novo México. Tatum está com o ego ferido. Acostumado com o glamour de Nova Yorque, ele sente-se rebaixado no novo trabalho. Mesmo assim, se mantém no jornal, cobrindo pequenas notícias. Tudo o que ele espera é o dia em que acontecerá um grande acontecimento por aquelas banda. Dessa forma, ele planeja catapultar seu nome de volta à elite da imprensa americana.<br /><br />E o dia chega quando ele descobre um homem soterrado em uma antiga mina. Tatum vai utilizar aquele incidente da forma que mais lhe convém. Ele manipula a família do homem e faz uma matéria sobre o caso. No dia seguinte, o homem ainda está soterrado. Os curiosos começam a chegar no local e, como ele esperava, a imprensa de Nova Yorque. O jornalista fará de tudo que estiver ao seu alcance para se manter na linha de frente daquela cobertura, inclusive mantendo a vítima do incidente soterrada por mais alguns dias. Como um abutre que circunda em espera do animal moribundo, ele planeja a melhor forma de degustar a refeição futura.<br /><br /><em>A Montanha...</em> denuncia o que há de mais infame no jornalismo: a manipulação da informação e, o que é pior, a manipulação do fato em si. Tatum finge ajudar a família da vítima e convence o xerife local a ajudá-lo em sua farsa. É uma alegoria que discute até onde vai o poder da imprensa, até que ponto devemos fazer vista grossa para o dito “jornalismo marrom”.<br /><br />Entretanto, o que há de mais cruel no longa metragem de Billy Wilder é a noção de que praticamente todos estão colaborando de alguma forma para o circo que é literalmente armado em volta daquela tragédia (chegam a montar um parque de diversões, obviamente atraídos pela multidão de curiosos que acampa próximo à mina). Apenas três pessoas parecem não querer aproveitar (de forma lúdica ou financeira) aquela situação: o dono do pequeno jornal, o pai e a mãe do homem soterrado. A própria esposa da vítima, que no início da história ensaia uma fuga com os poucos dólares da caixa registradora do pequeno comércio que são donos, retrocede de sua empreitada ao perceber que poderia ganhar muito dinheiro com o acontecimento. E ganha. Além dos muitos hambúrgueres que vende aos famintos curiosos, ela chega a cobrar a entrada no local.<br /><br />Dessa forma, <em>A Montanha dos Sete Abutres</em> levanta um questionamento que ultrapassa a mera crítica à imprensa. Billy Wilder afirma em letras garrafais que o problema está é no ser humano. Tatum é apenas o estopim para que essas pessoas se prontifiquem a transparecer alguns dos piores traços de caráter imagináveis. Ele demonstra isso claramente com a corrupção da polícia, com a ganância da esposa ou com a covardia do empreiteiro (que cede à chantagem do xerife que o obriga a fazer o resgate da forma mais difícil e demorada).<br /><br />De qualquer modo, o filme deixa no fim uma luz de redenção, embora tardia. Ao término da fita, o homem que está soterrado não resiste e morre de pneumonia. Tatum cai em si. O jornalista que fora capaz de enganar tantas pessoas; manter um homem preso em uma mina durante sete dias; capitalizar perversamente o seu “furo” jornalístico, não resiste a culpa de seus atos. É uma conclusão cristã, pois o pecador se pune em busca de algum perdão. É Tatum quem anuncia à multidão a morte do homem. Na mesma penitência, ele desiste de escrever a matéria que o devolveria à elite jornalística. E, por fim, na última seqüência ele retorna cambaleante à redação do pequeno jornal que abandonara. E como São Francisco de Assis que se expropria de toda a riqueza dos pais, Tatum oferece seus serviços de graça ao antigo chefe. A queda do personagem, no último plano do filme, é a metáfora do homem derrotado e humilhado.Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1122406575692685632005-07-26T16:31:00.000-03:002005-07-26T17:00:49.423-03:00Asas do Desejo<strong>Asas da ausência</strong><br /><br /><img style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/20/1356/400/asasdodesejo.jpg" border="0" /><br />Berlim ainda estava dividida quando, em 1987, Wim Wenders produziu a sua maior obra, <em>Asas do desejo</em>. O muro, que ruiria dois anos depois, se impunha não apenas como uma instransponível fronteira. A cidade partida (título que hoje o Rio de Janeiro laboriosamente toma emprestado) dividia também famílias, conceitos, ideologias, pessoas.<br /><br />O Céu sobre Berlim, como diz o título original, é a abrangência desse tema. Wim Wenders não queria falar apenas de um amor impossível, como uma leitura superficial pode levar a crer. Também não tinha a intenção de, nessa alegoria, transformar o filme em um panfleto político. <em>Asas do desejo</em> vai mais além, fala do muro que cada um construiu em torno de si, da inexistência de utopias, da fragilidade de uma época, da ignorância ao outro, do egoísmo, da solidão.<br /><br />Em <em>Asas do desejo</em>, a câmara acompanha a melancolia de dois anjos. Observa com eles o vácuo em que a criação se tornou e lamenta a cegueira humana. O homem de 1987 não mais vê os anjos, não mais os ouve. Prometeu roubou o fogo; Enkidu possuiu a prostituta; Adão comeu do fruto. Recita o anjo: Quando a criança era criança, ela caminhava com os braços balançando. Ela queria que o riacho fosse um rio, o rio uma torrente e essa poça d´água, o mar. A criança éramos nós. Adultos, fomos destituídos do verdadeiro.<br /><br />Wim Wenders propõe uma expansão do que o senso comum enxerga no divino. Longe de ser religioso, <em>Asas do desejo</em> busca metáforas para nossa incompletude no arcabouço imagético de uma das mais antigas crenças do homem. Se somos ou não vigiados e protegidos por anjos, o filme não discute. Ele assume o discurso para aprofundar nossas ausências.<br /><br />E o que não é o desejo, senão a falta? Trabalhando sempre sobre um plano contraditório, Wim Wenders mostra anjos que sentem essa ausência. Como seres etéreos, eles não enxergam as cores (daí a escolha pelo preto e branco) ou as formas; não sentem o áspero ou o liso; o calor ou o frio. Assim, eles também não têm forma. Enxergá-los, capacidade reservada apenas às crianças ainda inocentes, não é função da visão. As lentes de <em>Asas do desejo</em> nos mostram esse mundo privado.<br /><br />Propõe-se uma concessão e uma troca. É como se os anjos dissessem que deixam-nos ver o mundo com os olhos de criança. Em troca, damos a eles nossos desejos, nossas dores e alegrias. Os anjos de Wim Wenders anseiam pelo efêmero. Há um diálogo antológico em que Damiel e Cassiel externam essa vontade. Nele, perguntam-se o quão prazeroso deve ser beber uma taça de vinho ou retirar os sapatos após um dia de trabalho; o quão humano deve ser dizer talvez ao invés de sempre saber a verdade. Por isso, freqüentam as bibliotecas; por isso, procuram estar ao lado dos desesperados e dos amantes.<br /><br />A troca é cumprida com a queda do anjo, quando o filme ganha cor e Damiel, perplexo por sentir dor e sangrar, cambaleia por uma Berlim suja e pichada. Chega a ser cômico quando ele pergunta se aquilo que escorre (o sangue) é vermelho. É o seu primeiro contato com o humano e, não à toa, com a presença da morte.<br /><br />Damiel não cai por renegar Deus. Sua forma humana se dá por um amor profundo à criação, por causa do fascínio que mantém pela única coisa que ele não conhece, que não lhe é palpável. A paixão que sente pela trapezista é o que o arranca do âmbito divino e etéreo. É o eterno clichê do palhaço que ama a trapezista, o mesmo de Romeu e Julieta. Mas no amor proibido de Wim Wenders, a trapezista utiliza asas cenográficas, e essa é a senha para a completude ou para a humana ilusão que um anjo sentirá ao vê-la balançar no circo: a metáfora da contradição, em que todo o discurso fílmico de <em>Asas do desejo</em> é baseado.<br /><br />Ao cair, o anjo alcança a ausência que tanto almejou. E a falta se inicia pela fome. Diz Wim Wenders que, quando um anjo deixa seu mundo, traz consigo uma armadura. E de que serve para um caído, um objeto de luta celestial? Ao vendê-la, Damiel enfim está imerso no mundo humano, pois ele negociou o último resquício de seu passado atemporal, imaterial. E já se vai longe o tempo em que se dizia: Quando a criança era criança, ela não tinha opinião sobre nada. Não tinha nenhum hábito. Ela se sentava de pernas cruzadas, saía correndo de repente. Tinha um redemoinho no cabelo e não fazia caras quando ia tirar fotografia.<br /><br />Orginialmente publicado em <a href="http://www.educacaopublica.rj.gov.br">www.educacaopublica.rj.gov.br</a>Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14838183.post-1122406259836153852005-07-26T16:24:00.000-03:002005-07-26T16:30:59.840-03:00Kill Bill<strong>Irônico, cínico, violento, pós-moderno<br /></strong><br />Quanto já se falou sobre os mais de 80 filmes em que Quentin Tarantino se "inspirou" para escrever apenas a primeira parte do seu <em>Kill Bill</em>? Quantos artigos já foram publicados tentando desvendar esse quebra-cabeça de citações? Mas isso é apenas uma das facetas do que essa colagem de filmes (de kung fu, de faroeste e de gângsteres) pode sugerir.<br /><br />Talvez exista algo mais importante a ser discutido que está além da trama simplista da vingança de uma noiva grávida (interpretada pela atriz Uma Thurman), que sofre, no dia do seu casamento, em pleno altar, um sangrento atentado. Por que não estranhamos que uma obra que traz uma carga autoral como essa seja basicamente formada por referências a outros filmes?<br /><br />A obra de Quentin Tarantino sempre se ancorou em referências a filmes de estilo retrô. E ele levou tão a sério esse modo de fazer cinema que já ganhou até um adjetivo: tarantinesco. Em entrevistas, o diretor faz questão de ressaltar que sua bagagem fílmica paira sobre esse mundo do kung fu classe B e, mais ainda, do western spaghetti (faroeste feito na Itália durante a década de 1960).<br /><br />Há, ainda, um outro importante ponto de apoio em sua obra, a violência. Tarantino costuma se irritar, mas muitos apontam o cineasta Martin Scorcese (de Taxi driver e Gangues de Nova York) como o seu mentor imagético. E violência é o que não falta em <em>Kill Bill</em>.<br /><br />Mas <em>Kill Bill</em> não é um filme naturalista, não busca na verossimilhança o suporte da sua trama. Em <em>Kill Bill</em> há sangue jorrando em cascatas; espadas que amputam membros com precisão cirúrgica; aviões que permitem passageiros transportando espadas de samurais; uma última batalha em um grande jardim com neve artificial; a absoluta inexistência de policiais, mesmo quando se trata de uma centena de mortos. Mas toda não-coerência do roteiro é suplantada por essa antropofagia estética, que possibilita, ainda, que um flashback seja apresentado como em uma animação ao estilo japonês. Aí está uma lacuna que permite o exagero e que, ao mesmo tempo, não deixa o filme cair na apologia da violência gratuita. A violência é exagerada, mas é conceitual.<br /><br />Tarantino talvez não saiba, mas <em>Kill Bill</em> é um filme pós-moderno por excelência. Nele, estão várias características de nosso tempo, um dos critérios óbvios para se julgar o valor de uma obra (de arte?). Vivemos na era das cópias ilegais, da Internet, do MP3, dos programas de compartilhamento de arquivos e, para não esquecer dos primos não digitais, da xerox institucionalizada.<br /><br />O pós-moderno surge no filme dentro das tantas referências, presentes desde a roupa da heroína (cópia de um quimono utilizado por Bruce Lee) até a estruturação dramática em si, que homenageia gêneros específicos do cinema. Tarantino chega ao cúmulo de referenciar seus próprios filmes, fazendo citação a <em>Cães de aluguel</em> e <em>Pulp fiction</em>. É óbvio, como já dito, que não é em <em>Kill Bill</em> que ele descobre esse modus operandi. No entanto, é nesse filme em que ele chega ao ápice, pois, antes de ser a história de uma vingança, <em>Kill Bill</em> é um filme sobre filmes. É o cinema se recontando, mesmo que seja de forma irônica e cínica.<br /><br />Para citar apenas alguns exemplos, há ironia quando atribui a autoria de um provérbio popular a uma raça alienígena da série de TV Guerra nas estrelas; e há cinismo quando o filme se nomeia obra autoral, como indicam os créditos iniciais, que ostentam, orgulhosamente, ser o quarto filme de Quentin Tarantino.<br /><br /><em>Kill Bill</em> ainda assume a futilidade de uma época que está pouco preocupada em aprofundar seus dilemas. A noiva que parte em busca de uma vingança desvairada não demonstra quase nada além desse objetivo. Ela e os outros personagens são praticamente bidimensionais. Apenas Bill (que surge apenas do pescoço para baixo - e é quem parece melhor deter a situação) deixa transparecer alguma fragilidade quando confessa seu masoquismo. A exemplo dos outros filmes de Tarantino, seus personagens parecem um espelho satírico da sociedade americana.<br /><br />Mas a atualidade tem seu preço. Um filme que fala a língua específica de sua época, sobretudo se for de forma meramente imagética, corre o risco de tornar-se datado e, em apenas alguns anos, perder o vigor. No entanto, se julgarmos por um dos seus irmãos mais novos, <em>Pulp fiction</em>, é provável que isso não ocorra, já que, desde seu lançamento, já se foram dez anos e o filme ainda continua atual. Talvez o que venha a se tornar efêmero seja esse modo de filmar. O tarantinesco já virou escola e fórmula para a produção em série.<br /><br />Originalmente publicado em <a href="http://www.educacaopublica.rj.gov.br">www.educacaopublica.rj.gov.br</a>Aristeu Araújohttp://www.blogger.com/profile/04100557022022363121noreply@blogger.com0